29/06/2018

O papa Francisco peregrino no Conselho Ecuménico das Igrejas

«Desejei vir aqui, peregrino à procura de unidade e de paz», assim resumiu o papa Francisco o estilo e as intenções da sua visita a Genebra no passado 21 de junho, por ocasião do 70º aniversário do Conselho Ecuménico das Igrejas (CEC). Desejo, peregrinação, procura, unidade e paz: estes foram os eixos de um acontecimento que o Secretário geral do CEC, o pastor luterano norueguês Olav Fykse Tveit non hesitou em definir como «pedra miliar» no caminho ecuménico. Um acontecimento em que um irmão nosso teve o dom de poder participar, como sinal da colaboração fraterna instaurada há diversos decénios entre o nosso Mosteiro [de Bose] e a CEC.
Este caminho - sublinhou o papa Francisco no discurso durante a oração ecuménica, na abertura da intensa jornada fraterna - é um «caminho que tem um meta precisa: a unidade». Por isso, o mote escolhido para a jornada - «Caminhar juntos, rezar juntos, trabalhar juntos» - foi declinado pelo papa Francisco como um «rezar, evangelizar e servir juntos». E se ao «rezar juntos» falta ainda a possibilidade de partilhar a mesa eucarística e se o «servir juntos» assumiu a caraterística operosa de uma peregrinação de justiça e de paz para os povos e as igrejas mais provadas, o convite a «evangelizar juntos» é um forte apelo às próprias raízes do movimento ecuménico e um desafio para o futuro, uma resposta à «preocupação» que habita o coração do papa Francisco e de muitos homens e mulheres empenhados na procura da unidade dos cristãos.
De facto, é a partir da consciência do escândalo de uma prática confessional e, por vezes, competitiva, concorrencial da missão que despontou o movimento ecuménico no início do século XX. Como podem os cristãos divididos pensar que é possível anunciar de modo credível o Evangelho do seu único Senhor? Assim «evangelizar juntos» não só afasta todas as tentações de proselitismo, como também e sobretudo reporta os discípulos de Cristo às palavras do seu Senhor: «todos sejam um só para que o mundo creia» (Jo 17, 21), «pelo amor que tiverdes uns para com os outros reconhecerão que sois meus discípulos» (Jo 13, 25). Evangelizar juntos, então, «é possível e agradável a Deus», como assegurou com força o papa Francisco, porque «agora já é possível caminhar segundo o Espírito».
Nenhuma cedência à mundanidade, nenhuma procura de unir as forças entre cristãos para contarmos mais, talvez «com a intenção de satisfazer algum interesse particular». Pelo contrário, a aceitação de que o ecumenismo é «trabalhar em perda... uma grande tarefa em perda», mas uma «perda evangélica, segundo o caminho traçado por Jesus».
Palpável era a sintonia dos participantes no encontro de Genebra - em representação de cerca de 350 Igrejas que são membros do CEC - com as palavras do bispo de Roma que os veio encontrar (e que, também para sublinhar este seu ministério, quis pronunciar os seus discursos em italiano): quer nos momentos fortes da oração ecuménica da manhã e do encontro de reflexão da tarde, quer nos encontros informais de permeio constatava-se um contínuo percorrer de novo com alegria e gratidão o caminho já percorrido juntos e as novas etapas de um percurso que não quer ser outro que a «vinda da Palavra» (cf. 2 Tes 2, 1) à história: uma palavra de vida plena para os homens e as mulheres do nosso tempo, a começar pelos últimos, os prediletos do Senhor.

21/06/2018

Discurso do papa Francisco por ocasião Peregrinação Ecuménica a Genebra no 70º aniversário do Conselho Mundial das Igrejas

Amados irmãos e irmãs!

Estou feliz por vos encontrar e grato pela vossa calorosa receção. Agradeço de modo particular ao Secretário-Geral, Reverendo Dr. Olav Fykse Tveit, e à Moderadora, Dra. Agnes Abuom, pelas suas palavras e por me terem convidado por ocasião do septuagésimo aniversário da criação do Conselho Mundial das Igrejas.
Biblicamente, o cômputo de setenta anos evoca a duração completa duma vida, sinal de bênção divina. Mas, setenta é também um número que traz à mente duas passagens famosas do Evangelho. Na primeira, o Senhor mandou perdoar-nos, não até sete vezes, mas «até setenta vezes sete» (Mt 18, 22). O número não pretende por certo indicar um limite quantitativo, mas abrir um horizonte qualitativo: não mede a justiça, mas alonga a medida para uma caridade desmesurada, capaz de perdoar sem limites. É esta caridade que nos permite, depois de séculos de contrastes, estar juntos como irmãos e irmãs reconciliados e agradecidos a Deus nosso Pai.
O facto de nos encontrarmos aqui deve-se também a quantos nos precederam no caminho, escolhendo a estrada do perdão e consumindo-se para responder à vontade do Senhor: que «todos sejam um só» (Jo 17, 21). Impelidos pelo desejo ardente de Jesus, não se deixaram manietar pelos nós complicados das controvérsias, mas encontraram a audácia de olhar mais além e acreditar na unidade, superando as barreiras das suspeitas e do medo. É verdade aquilo que afirmava um antigo pai na fé: «Se verdadeiramente o amor conseguir eliminar o medo e este se transformar em amor, então descobrir-se-á que o que salva é precisamente a unidade» (São Gregório de Nissa, Homilia 15 sobre o Cântico dos Cânticos). Somos os beneficiários da fé, da caridade e da esperança de muitos que tiveram, com a força desarmada do Evangelho, a coragem de inverter o sentido da história; aquela história que nos levara a desconfiar uns dos outros e a alhear-nos mutuamente, seguindo a espiral diabólica de incessantes fragmentações. Graças ao Espírito Santo, inspirador e guia do ecumenismo, o sentido mudou e ficou indelevelmente traçado um caminho novo e, ao mesmo tempo, antigo: o caminho da comunhão reconciliada, rumo à manifestação visível daquela fraternidade que já une os crentes.
Mas, o número setenta proporciona-nos um segundo motivo evangélico: lembra aqueles discípulos que Jesus, durante o ministério público, enviou em missão (cf. Lc 10, 1) e são objeto de celebração no Oriente cristão. O número destes discípulos alude ao número das nações conhecidas, elencadas nos primeiros capítulos da Sagrada Escritura (cf. Gn 10). Que sugestão nos deixa isto? Que a missão tem em vista todos os povos, e cada discípulo, para ser tal, deve tornar-se apóstolo, missionário. O Conselho Ecuménico das Igrejas nasceu como instrumento do movimento ecuménico que foi suscitado por um forte apelo à missão: como podem os cristãos evangelizar, se estão divididos entre si? Esta premente interpelação orienta ainda o nosso caminho e traduz o pedido do Senhor para permanecermos unidos a fim de que «o mundo creia» (Jo 17, 21).
Permiti-me, amados irmãos e irmãs, que, além de viva gratidão pelo empenho que dedicais à unidade, vos manifeste também uma preocupação. Esta deriva da impressão de que o ecumenismo e a missão já não aparecem tão intimamente interligados como no princípio. E todavia o mandato missionário, que é mais do que a diakonia e a promoção do desenvolvimento humano, não pode ser esquecido nem anulado. Em causa está a nossa identidade. O anúncio do Evangelho até aos últimos confins da terra é conatural ao nosso ser de cristãos. Com certeza, a maneira de exercer a missão varia segundo os tempos e lugares e, perante a tentação – infelizmente habitual – de se impor seguindo lógicas mundanas, é preciso lembrar-se de que a Igreja de Cristo cresce por atração.
Mas, em que consiste esta força de atração? Não está por certo nas nossas ideias, estratégias ou programas: não se crê em Jesus Cristo através duma recolha de consensos, nem o Povo de Deus se pode reduzir ao nível duma organização não-governamental. Não! A força de atração está toda naquele dom sublime que conquistou o apóstolo Paulo: «Conhecer a [Cristo], na força da sua ressurreição e na comunhão com os seus sofrimentos» (Flp 3, 10). Este é o nosso único motivo de glória: «o conhecimento da glória de Deus, que resplandece na face de Cristo» (2 Cor 4, 6) e que nos foi dado pelo Espírito vivificador. Este é o tesouro que nós, frágeis vasos de barro (cf. 2 Cor 4, 7), devemos oferecer a este nosso amado e atribulado mundo. Não seríamos fiéis à missão que nos foi confiada, se reduzíssemos este tesouro ao valor dum humanismo puramente imanente, ao sabor das modas do momento. E seríamos maus guardiões, se quiséssemos apenas preservá-lo, enterrando-o com medo de sermos provocados pelos desafios do mundo (cf. Mt 25, 25).
Aquilo de que temos verdadeiramente necessidade é dum novo ímpeto evangelizador. Somos chamados a ser um povo que vive e partilha a alegria do Evangelho, que louva ao Senhor e serve os irmãos, com o espírito que deseja ardentemente descerrar horizontes de bondade e beleza inauditos a quem ainda não teve a graça de conhecer verdadeiramente a Jesus. Estou convencido que, se aumentar o impulso missionário, crescerá também a unidade entre nós. Como nos primórdios o anúncio marcou a primavera da Igreja, assim a evangelização marcará o florescimento duma nova primavera ecuménica. Como nos primórdios, estreitemo-nos em comunhão ao redor do Mestre, envergonhando-nos das nossas contínuas hesitações e dizendo-Lhe com Pedro: «A quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna» (Jo 6, 68).
Amados irmãos e irmãs, desejei participar pessoalmente nas comemorações deste aniversário do Conselho inclusive para reafirmar o empenhamento da Igreja Católica na causa ecuménica e encorajar a cooperação com as Igrejas-membros e com os parceiros ecuménicos. A propósito, quero deter-me um pouco, também eu, no lema escolhido para este dia: Caminhar - Rezar - Trabalhar juntos.
Caminhar sim, mas para onde? Na base do que ficou dito, sugeriria um movimento duplo: de entrada e de saída. De entrada, a fim de nos dirigirmos constantemente para o centro, reconhecendo-nos ramos enxertados na única videira que é Jesus (cf. Jo 15, 1-8). Não daremos fruto sem nos ajudarmos mutuamente a permanecer unidos a Ele. De saída, rumo às múltiplas periferias existenciais de hoje, para levarmos juntos a graça sanadora do Evangelho à humanidade atribulada. Poderíamos interrogar-nos se estamos a caminhar de verdade ou apenas em palavras, se apresentamos os irmãos ao Senhor e os temos verdadeiramente a peito, ou se estão longe dos nossos reais interesses. Poderíamos interrogar-nos também se o nosso caminho é um mero cirandar sobre os nossos passos, ou uma convicta saída pelo mundo levando-lhe o Senhor.
Rezar: como no caminho, também na oração não podemos avançar sozinhos, porque a graça de Deus, mais do que retalhar-se à medida do indivíduo, difunde-se harmoniosamente entre os crentes que se amam. Quando dizemos «Pai nosso», ressoa dentro de nós a nossa filiação, mas também o nosso ser de irmãos. A oração é o oxigénio do ecumenismo. Sem oração, a comunhão asfixia e não avança, porque impedimos que o vento do Espírito a empurre para diante. Interroguemo-nos: Quanto rezamos uns pelos outros? O Senhor rezou para sermos um só; imitamo-Lo nisto?
Trabalhar juntos: a propósito, quero reiterar que a Igreja Católica reconhece a importância particular do trabalho realizado pela Comissão Fé e Constituição e deseja continuar a contribuir para ele através da participação de teólogos altamente qualificados. A pesquisa de Fé e Constituição em ordem a uma visão comum da Igreja e o seu trabalho no discernimento das questões morais e éticas tocam pontos nevrálgicos do desafio ecuménico. De igual modo a presença ativa na Comissão para a Missão e a Evangelização, a colaboração com o Departamento para o Diálogo Inter-religioso e a Cooperação – ainda recentemente sobre o tema importante da educação para a paz –, a preparação conjunta dos textos para a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos e várias outras formas de sinergia são elementos constitutivos duma sólida e corroborada colaboração. Além disso, aprecio o papel imprescindível do Instituto Ecuménico de Bossey na formação ecuménica das jovens gerações de responsáveis pastorais e académicos de muitas Igrejas e Confissões Cristãs de todo o mundo. Há muitos anos que a Igreja Católica colabora nesta obra educativa com a presença dum professor católico na Faculdade; e cada ano tenho a alegria de saudar o grupo de alunos que realiza a sua visita de estudo a Roma. Quero também mencionar, como bom sinal de «harmonia ecuménica», a crescente adesão ao Dia de Oração pela Salvaguarda da Criação.
Além disso, o trabalho tipicamente eclesial tem um sinónimo bem definido: diakonia. É o caminho por onde podemos seguir o Mestre, que «não veio para ser servido, mas para servir» (Mc 10, 45). O serviço variado e intenso das Igrejas-membros do Conselho encontra uma expressão emblemática na Peregrinação de Justiça e de Paz. A credibilidade do Evangelho é testada pela maneira como os cristãos respondem ao clamor de quantos injustamente, nos diferentes cantos da terra, são vítimas do trágico aumento duma exclusão que, gerando pobreza, fomenta os conflitos. Os fracos são cada vez mais marginalizados, vendo-se sem pão, sem trabalho nem futuro, enquanto os ricos são sempre menos e sempre mais ricos. Sintamo-nos interpelados pelo pranto dos que sofrem e compadeçamo-nos, porque «o programa do cristão (…) é um coração que vê» (Bento XVI, Carta enc. Deus caritas est, 31). Vejamos o que é possível fazer concretamente, em vez de nos desencorajar pelo que não o é. Olhemos também para muitos dos nossos irmãos e irmãs que em várias partes do mundo, especialmente no Médio Oriente, sofrem porque são cristãos. Estejamos ao seu lado. E lembremo-nos de que o nosso caminho ecuménico é precedido e acompanhado por um ecumenismo já realizado, o ecumenismo do sangue, que nos exorta a avançar.
Encorajemo-nos a superar a tentação de absolutizar certos paradigmas culturais e de nos deixar absorver por interesses de parte. Ajudemos as pessoas de boa vontade a dar maior espaço a situações e vicissitudes que afetam grande parte da humanidade, mas ocupam um lugar demasiado marginal na grande informação. Não podemos desinteressar-nos, e devemos inquietar-nos quando alguns cristãos se mostram indiferentes face a quem passa necessidade. E mais triste ainda é a convicção de quantos consideram os seus benefícios como puros sinais de predileção divina, e não como apelo a servir responsavelmente a família humana e salvaguardar a criação. É sobre o amor ao próximo, a cada pessoa que nos está próxima, que nos interpelará o Senhor (cf. Mt 25, 31-46), o Bom Samaritano da humanidade (cf. Lc 10, 29-37). Perguntemo-nos então: que podemos fazer juntos? Se um serviço é possível, por que não projetá-lo e realizá-lo conjuntamente, começando a experimentar uma fraternidade mais intensa no exercício da caridade concreta?
Amados irmãos e irmãs, reitero-vos a minha cordial gratidão. Ajudemo-nos a caminhar, rezar e trabalhar juntos, para que, com a ajuda de Deus, progrida a unidade e o mundo acredite. Obrigado.

Centro Ecuménico - Visser't Hooft Hall, Genebra, 21 de junho de 2018

Francisco

01/06/2018

Bartolomeu no Vaticano: uma agenda comum contra o individualismo

Cerca de meia hora de conversa entre Bergoglio e o patriarca de Constantinopla que abre a sessão no Vaticano do congresso da Fundação Centesimus Annus: «Hoje uma imensa crise de solidariedade atinge o mundo, a tecnologia é o nosso deus».

«Bom dia, Santidade». «Bom dia, acho-o melhor». Entre Francisco e Bartolomeu há confiança, os gestos são os de dois irmãos que se reúnem passado algum tempo: os sorrisos, abraços, graças sobre a saúde do patriarca hospitalizado no dia 6 de maio do ano passado, no Hospital Americano de Constantinopla devido a tonturas, provavelmente causadas por vertigens.
O "feeling" entre o Papa e o primaz ortodoxo, sucessores dos apóstolos Pedro e André, estabeleceu-se muito antes do encontro privado desta manhã [26 de maio de 2018], no Vaticano, onde o patriarca participa na conferência internacional «Novas políticas e estilos de vida na era digital», Promovido pela Fundação Centesimus Annus pro Pontifice, no seu 25º aniversário. Desde a missa do início do seu pontificado a 19 de março de 2013 - pela primeira um patriarca ortodoxo esteve na Praça de São Pedro - passando pelas reuniões históricas de Jerusalém, Istambul, Assis, Roma, até a viagem a Lesbos entre os refugiados do campo de Moira, Francisco e Bartolomeu compartilharam etapas inesquecíveis do seu ministério, assinando também, a 1 de setembro de 2017, uma mensagem conjunta para o Dia Mundial da Criação, uma preocupação comum de ambos os líderes religiosos.
O encontro desta manhã aconteceu na Sala da Biblioteca do Palácio Apostólico Vaticano, onde os dois dialogaram durante cerca de 25 minutos. O tempo é pouco e o patriarca - que na quarta-feira viveu um momento ecuménico indo à Basílica dos Doze Apóstolos para venerar as relíquias dos Santos Filipe e Tiago - às 10.30 h. tem de abrir a sessão da conferência da «Centesimus Annus», que, após dois dias de trabalhos no Palácio da Chancelaria, em Roma, tem lugar no Vaticano, na presença do cardeal secretário de Estado Pietro Parolin.
O papa e o patriarca saúdam-se em frente dos jornalistas e fotógrafos na Sala do "Tronetto"; os primeiros minutos são dedicados a perguntas sobre as condições de saúde do líder ortodoxo, que também fala ao Papa sobre seus colaboradores mais próximos. No final da conversa, acontece a habitual troca de presentes. Bartolomeu traz ao Pontífice uma pequena imagem de Nossa Senhora e o Menino, um ícone de São Francisco, patrono do papa argentino, e um livro sobre o Patriarcado de Constantinopla. Depois outro pequeno presente, um sinal de carinho que vai além do formalismo: uma caixa de chocolates. Francisco sorri e brinca ao recebê-la, e responde com um presente especial, nunca antes feito a um hóspede: a recente Exortação Apostólica «Gaudete et Exsultate» sobre o tema da santidade na vida quotidiana. Bergoglio assina a cópia diante do amigo patriarca e deixa, junto com a exortação, uma reprodução em bronze da Porta Santa.
Após o encontro com o papa - que voltará a ver às 12.30 h. durante uma audiência com os membros da «Centesimus Annus» - Bartolomeo desloca-se à próxima Sala Regia para proferir o seu longo discurso (todos em Inglês) sobre o tema «Uma agenda cristã comum para o bem comum». Perto, conta ter visitado Bento XVI no mosteiro Mater Ecclesiae ontem à tarde: «Uma grande alegria»; em seguida, desenvolve a sua reflexão a partir da encíclica de João Paulo II que dá nome à Fundação, a «Centesimus Annus», assinada pelo papa polaco a 1 de maio de 1991, no centenário da «Rerum Novarum».
«O que é verdadeiramente cristã é essencialmente social», começa Bartolomeu, «a fé não se limita apenas a "alma", sem qualquer interesse pela dimensão social, mas também desempenha um papel vital no nível da sociedade. As nossas Igrejas preservaram valores elevados, um precioso património espiritual e moral e um profundo conhecimento antropológico. A Igreja de Roma tem um ensinamento social sistemático, que contém soluções para problemas difíceis no espírito do respeito pelos princípios individuais de solidariedade, subsidiariedade e bem comum ", diz ele.
Com base nestes princípios e nos vários modelos desenvolvidos, o primaz ortodoxo reitera a urgência por parte das Igrejas Católica e Ortodoxa de «enfrentar os desafios sociais e proteger a dignidade humana». Também porque, sublinha, não se pode ignorar a «imensa crise de solidariedade» entendida como «o processo em curso de "dessolidarização" que ameaça o futuro da própria humanidade» e que segue em conjunto com os inúmeros problemas económicos e sociais que afetam diretamente a «existência» do homem.
Nasce daqui a necessidade de «uma agenda cristã comum para o bem comum», cujo princípio basilar é que cada um precisa do outro. Como homens, como igreja. «Ninguém pode enfrentar sozinho», diz Bartolomeu, os desafios que marcam a contemporaneidade, sobretudo a nível económico e social, mas também no campo da política, da ecologia, da ciência e da tecnologia. Especialmente neste último ponto, o patriarca de Constantinopla não esconde sua «preocupação» diante de uma certa «autonomia» em relação às «necessidades vitais do ser humano» e ao facto de que, apesar dos numerosos apelos, continuamos a produzir «armas terríveis de destruição maciça» que trazem consigo «o risco da guerra nuclear».
«O rápido progresso da ciência e tecnologia, juntamente com suas consequências benéficas, também conduz a resultados que não promovem uma cultura de solidariedade», diz o patriarca. «A tecnologia já não está ao serviço do homem, mas é sua principal força motriz, que requer completa obediência, além de impor os seus princípios em todos os aspectos da vida. Os omnipresentes meios eletrónicos de comunicação não difundem simplesmente informações, mas também transmitem valores - os seus valores - e reformulam as nossas opiniões sobre o significado da vida, dirigem as nossas necessidades, criando assim necessidades artificiais, e abrem caminho a um futuro que é dominado por eles».
Tais conquistas tecnológicas têm o seu próprio «fascínio», de tal modo que que, na opinião comum, o progresso da tecnologia é identificado com o progresso tecnológico. «Adoramos a tecnologia e seu símbolo mais alto, o computador, como nosso deus, e ao mesmo tempo esperamos receber todos os nossos benefícios: alegria, comunicação, progresso, informação, trabalho, etc. O «homo faber» torna-se «homo fabricatus» - sublinha Bartolomeu. De facto, enfrentamos uma infinidade de problemas que não são de natureza tecnológica e não podem ser resolvidos através da acumulação de informações adicionais. A injustiça social, os divórcios, a violência, os crimes, a solidão, o fanatismo e o choque de civilizações não são causados ​​pela falta de informação e tecnologia. Vemos que alguns desses problemas estão efetivamente a crescer juntamente com o progresso tecnológico da sociedade».
Diante desse complexo panorama, «precisamos uns dos outros», reafirma Bartolomeu; precisamos «de uma mobilização comum, de esforços comuns e objetivos comuns». É crucial, neste sentido, «a contribuição das nossas Igrejas" que, promovendo «o conteúdo social do Evangelho», constroem muros contra as injustiças e os poderes «que minam a coesão social». Este é precisamente o ponto, «a coesão social», afirma o patriarca; a que foi defendida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada em 1948, definida como «o fio de Ariadne» no interior do «labirinto do pluralismo contemporâneo».
Setenta anos depois desse importante documento, parece que domina tanto um «individualismo desenfreado», feito de palavras-chave como «eu», «eu mesmo», «meu», «autonomia», «auto-realização», «auto-admiração». «Uma das tendências contemporâneas mais perigosas para uma cultura de solidariedade é o individualismo, a auto-idolatria e o auto-encerrar-se na auto-suficiência egoísta, que cria abismos entre as pessoas», observa o primaz ecuménico. «No Ocidente, a explosão de conhecimento e informação estimula o desinteresse para com as outras pessoas, bem como um espírito de individualismo e deificação da propriedade; enquanto, em outras regiões do mundo, a tecnologia coexiste facilmente com a injustiça social e o fundamentalismo religioso», acrescenta.
E conclui, exortando a olhar para cima e apostando na realização de uma «comunidade de pessoas», na qual «mente e coração, fé e conhecimento, liberdade e amor, indivíduo e sociedade, ser humano e toda a criação são reconciliados».