23/06/2024

Celebração ecuménica pela paz

As Igrejas que integram a Comissão Ecuménica do Porto juntaram-se na sexta, 21 de junho de 2024, para Celebração ecuménica pela paz, inserida no Roteiro Ecuménico do Porto, segundo a tradição da Comunidade Ortodoxa do Patriarcado Ecuménico de Constantinopla - sita na Rua da Constituição, 379 (junto ao Marquês).






14/06/2024

«O Bispo de Roma»: Apresentação do documento de estudo do Dicastério para a Promoção da Unidade dos Cristãos

O Bispo de Roma: Primado e sinodalidade nos diálogos ecuménicos e nas respostas à enciclica "Ut unum sint" é um documento de estudo, publicado com a aprovação do Papa Francisco, que resume pela primeira vez as respostas à encíclica Ut unum sint e aos diálogos ecuménicos sobre a questão do primado e da sinodalidade. O documento encerra com uma proposta do Dicastério que identifica as sugestões mais significativas apresentadas para um renovado exercício do ministério da unidade do Bispo de Roma «reconhecido por uns e outros». A sua apresentação, realizada a 13 de junho, contou com os seguintes intervenientes: o Cardeal Kurt Koch, Prefeito do Dicastério para a Promoção da Unidade dos Cristãos; o Cardeal Mario Grech, Secretário-geral da Secretária-geral do Sínodo; o Arcebispo Khajag Barsamian, Representante da Igreja Apostólica Arménia junto da Santa Sé - Catholicossato de Etchmiadzin; o Arcebispo Ian Ernest, Diretor do Centro Anglicano de Roma e Representante pessoal do Arcebispo de Cantuária junto da Santa Sé (por via remota).

Um trabalho verdadeiramente ecuménico e sinodal (Kurt Koch)


O documento de estudo O Bispo de Roma é o primeiro documento que sintetiza todo o debate ecuménico sobre o serviço do primado na Igreja. As suas origens remontam ao convite dirigido por São João Paulo II aos outros cristãos para que encontrassem, «evidentemente juntos», as formas em que o ministério do Bispo de Roma «poderá realizar um serviço de amor reciprocamente reconhecido» (UUS 95). Desde 1995, foram numerosas as respostas a este convite, bem como as reflexões e as várias sugestões surgidas nos diálogos teológicos.
Em 2020, por ocasião do 25º aniversário da encíclica Ut unum sint, o Dicastério para a Promoção da Unidade dos Cristãos considerou oportuno sintetizar estas reflexões e colher os principais frutos. O próprio Papa Francisco lançou o convite, ao constatar na Evangelii gaudium que «fizemos poucos progressos neste domínio» (EG 32). Além disso, a convocação do Sínodo sobre a sinodalidade confirmou a relevância deste projeto do nosso Dicastério como contributo para a dimensão ecuménica do processo sinodal.
O estatuto do texto é o de um «documento de estudo» que não pretende esgotar o assunto nem resumir o magistério católico sobre a matéria. O seu objetivo é oferecer uma síntese objetiva da evolução recente do debate ecuménico oficial e oficioso sobre o tema, refletindo as ideias, mas também as limitações dos próprios documentos de diálogo. Para além da síntese, o documento encerra com uma breve proposta do Plenário do nosso Dicastério, intitulada «Para um exercício do Primado no século XXI», que identifica as sugestões mais significativas avançadas pelos vários diálogos para um renovado exercício do ministério de unidade do Bispo de Roma.
O documento é o fruto de quase três anos de trabalho verdadeiramente ecuménico e sinodal. Resume cerca de 30 respostas à Ut unum sint e 50 documentos do diálogo ecuménico sobre o assunto. O trabalho envolveu não só os colaboradores, mas também todos os membros e consultores do Dicastério, que o discutiram em duas reuniões plenárias. Foram também consultados os melhores especialistas católicos na matéria, bem como numerosos especialistas ortodoxos e protestantes, em colaboração com o Instituto de Estudos Ecuménicos do Angelicum.
Finalmente, o texto foi enviado a vários dicastérios da Cúria Romana e ao Sínodo dos Bispos. No total, foram tidos em conta mais de cinquenta pareceres e contributos escritos. Todos acolheram favoravelmente a iniciativa, a metodologia, a estrutura e as ideias principais do documento.
Entre as principais conclusões de O Bispo de Roma está o facto de os documentos de diálogo e as respostas à Ut unum sint terem dado um contributo significativo para a reflexão sobre a questão do primado e da sinodalidade. A conclusão mais importante é que todos os documentos concordam com a necessidade de um serviço de unidade a nível universal, mesmo que os fundamentos deste serviço e as modalidades do seu exercício estejam sujeitos a diferentes interpretações.
Ao contrário das polémicas do passado, a questão do primado já não é vista apenas como um problema, mas também como uma oportunidade de reflexão conjunta sobre a natureza da Igreja e a sua missão no mundo. Uma ideia particularmente interessante é a de que o ministério petrino do Bispo de Roma é intrínseco à dinâmica sinodal, assim como o aspeto comunitário que inclui todo o Povo de Deus e a dimensão colegial do ministério episcopal.
O documento também sugere passos futuros para o diálogo teológico. Em particular, sugere que se promova a receção dos resultados dos diálogos a todos os níveis e também a interligação entre os diálogos - locais e internacionais, oficiais e oficiosos, bilaterais e multilaterais, orientais e ocidentais - com vista ao enriquecimento mútuo. Sugere também que o primado e a sinodalidade sejam estudados em conjunto, pois não são duas dimensões eclesiais concorrentes, mas antes duas realidades mutuamente constitutivas. Sublinha a necessidade de clarificar o vocabulário sobre esta questão, tanto para os teólogos como para o Povo de Deus.
No que diz respeito aos princípios e propostas para um exercício renovado do primado, o documento desenvolve algumas das sugestões avançadas pelos diálogos, em particular uma «releitura» ou comentário oficial do Vaticano I, uma distinção mais clara entre as diferentes responsabilidades do Papa, um reforço da sinodalidade da Igreja Católica ad intra e ad extra, em particular tendo em vista a comemoração do 1700º aniversário do Concílio de Niceia, o primeiro Concílio ecuménico, em 2025. Finalmente, o documento propõe alguns princípios para um modelo de comunhão plena baseado num «serviço de amor reconhecido pelo outro» (UUS 95).
Esperamos que este documento não só favoreça o diálogo sobre este importante tema, mas também estimule outras ideias teológicas e sugestões práticas. Para isso, o nosso Dicastério, em colaboração com a Secretaria Geral do Sínodo, tem a intenção de enviar este documento aos responsáveis das outras Igrejas, a fim de continuar a reflexão «evidentemente juntos». Uma apresentação mais detalhada do documento com teólogos de várias tradições será oferecida esta noite, às 17 horas, no Oecumenicum, o Instituto de Estudos Ecuménicos do Angelicum.

Amor pela Igreja (Mario Grech)


A leitura do documento sobre o ministério petrino O Bispo de Roma: Primado e sinodalidade nos diálogos ecuménicos e nas respostas à encíclica "Ut unum sint" confirma o amor à Igreja por parte do Dicastério para a Promoção da Unidade dos Cristãos, um amor que se manifesta num duplo aspeto: como serviço à unidade dos cristãos e, ao mesmo tempo, como fidelidade àquele que é o princípio visível da unidade de toda a Igreja.
Não é minha tarefa apresentar o documento; desejo antes sublinhar a oportunidade de aprofundamento de um tema de importância fundamental para a vida da Igreja. Na verdade, esta investigação revela-se preciosa para responder ao pedido de João Paulo II na Ut unum sint:
«Como Bispo de Roma, estou bem consciente, e reafirmei-o nesta carta encíclica, de que a comunhão plena e visível de todas as comunidades, nas quais, em virtude da fidelidade de Deus, habita o seu Espírito, é o desejo ardente de Cristo. Estou convencido de que tenho uma responsabilidade particular a este respeito, sobretudo ao constatar a aspiração ecuménica da maioria das comunidades cristãs e ao escutar o pedido que me é dirigido para encontrar uma forma de exercício do primado que, não renunciando de modo algum ao essencial da sua missão, se abra a uma situação nova» (UUS 95).
Passaram 30 anos desde aquelas palavras e muitas coisas mudaram na Igreja, mas a urgência da unidade da Igreja não diminuiu e o apelo a encontrar uma forma de exercício do ministério petrino que seja partilhada pelas Igrejas emerge com força dos diálogos ecuménicos. O Papa Francisco, recordando mais uma vez as palavras de João Paulo II, reiterou «a necessidade e a urgência de pensar numa "conversão do papado"», sublinhando que «o Papa não está, sozinho, acima da Igreja; mas dentro dela como Batizado entre os Batizados e dentro do Colégio Episcopal como Bispo entre os Bispos, chamado ao mesmo tempo - como Sucessor do Apóstolo Pedro - a conduzir a Igreja de Roma que preside no amor a todas as Igrejas».
O Papa exprimiu-se nestes termos no seu discurso por ocasião do 50º aniversário da instituição do Sínodo dos Bispos, a 17 de outubro de 2015, que constitui uma espécie de manifesto da sinodalidade e da Igreja constitutivamente sinodal. Sublinhou como «o empenho em construir uma Igreja sinodal está repleto de implicações ecuménicas»; e disse estar «persuadido de que, numa Igreja sinodal, o exercício do primado petrino também poderá receber maior luz».
É certo que os diálogos ecuménicos trouxeram um primeiro contributo: apesar de nos círculos eclesiais se continuar a falar de Sumo Pontífice ou de Romano Pontífice, o título de Bispo de Roma é agora utilizado como único título no Anuário Pontifício, o qual elenca os outros como títulos históricos. Mas uma mudança de modalidade no exercício do primado não pode consistir numa mudança de nome, por mais reveladora que esta possa ser de uma nova compreensão do papel primacial.
Se há um "lugar", um contexto que hoje pode manifestar - na verdade está a manifestar - uma nova modalidade de exercício do primado, é precisamente o processo sinodal. Gostaria de me deter neste aspeto de novidade e mostrar como ele constitui o quadro mais adequado para enquadrar também o documento publicado pelo Dicastério.
Pode-se medir a novidade deste exercício comparando-o com a doutrina do primado proposta pelo Concílio Vaticano I e reafirmada pelo Concílio Vaticano II dentro do quadro da doutrina sobre a constituição hierárquica da Igreja. Se se quiser compreender a perspetiva do Vaticano I, basta inverter a afirmação do Papa Francisco: para ser uma garantia da liberdade da Igreja «o Papa deve estar sozinho, acima da Igreja; se estivesse dentro dela como Batizado entre os Batizados e dentro do Colégio Episcopal como Bispo entre os Bispos, não seria um instrumento eficaz de defesa daquela liberdade que o Senhor deu à sua Igreja; não poderia ser aquele que - como Sucessor do Apóstolo Pedro - conduz a Igreja de Roma que preside no amor a todas as Igrejas».
A missão que o Vaticano I atribuiu ao primado foi a de ser o baluarte contra as pretensões dos Estados modernos de subordinar a Igreja às leis constitucionais, segundo os princípios do galicanismo, aplicados pelas monarquias constitucionais em matéria religiosa. Para garantir a liberdade da Igreja - para que ela estivesse acima de todos, incluindo os reis - era necessário que o Vaticano I declarasse: «Para que [...] o próprio Episcopado seja uno e indiviso, e toda a multidão dos crentes, por meio dos sacerdotes estreitamente unidos entre si, seja conservada na unidade da fé e da comunhão, antepondo o bem-aventurado Pedro aos outros Apóstolos, nele quis fundar o princípio perene e o fundamento visível da dupla unidade» (Concílio Vaticano I, Pastores Aeternus, 18 de julho de 1870).
É imediatamente evidente que o modelo de Igreja sobre o qual se apoia a doutrina do primado é o da Igreja piramidal, assim estabelecido desde a Reforma gregoriana: o Bispo de Roma, o Romano Pontífice, é o vértice da pirâmide hierárquica, o Sumo Pontífice que governa não só a Igreja de Roma, mas a Igreja universal com um poder próprio, pleno e universal. Um poder que lhe é dado enquanto Vigário de Cristo, que torna visivelmente presente a Cabeça da Igreja, o Senhor de todas as coisas, a quem todos devem obediência.
É a tese da Igreja como societas perfecta, superior a qualquer sociedade humana, porque o bem que ela proporciona é do céu e não da terra, porque as leis que ela propõe derivam da Revelação e não da razão, porque a autoridade que a governa é de Deus e não dos homens.
O Vaticano I não conseguiu completar a doutrina sobre a Igreja: a Pastor Aeternus, que propõe a doutrina sobre o primado e a da infalibilidade do Papa quando fala ex cathedra, é apenas a constitutio dogmatica prima; a suspensão do concílio sine die não permitiu a aprovação da constitutionis dogmaticae secundae, que desenvolveu a doutrina geral sobre a Igreja, em particular sobre o episcopado.
Como se sabe, este tema foi retomado no Concílio Vaticano II, que reafirmou como objeto certo de fé «esta doutrina da instituição, da perpetuidade, do valor e da natureza do sagrado primado do Romano Pontífice e do seu magistério infalível, o santo Concílio [...]. Além disso, prosseguindo no desígnio que tinha iniciado, estabeleceu enunciar e explicitar a doutrina sobre os bispos, sucessores dos apóstolos, os quais, com o sucessor de Pedro, vigário de Cristo e cabeça visível de toda a Igreja, governam a casa do Deus vivo» (LG 18).
A relação entre primado e episcopado foi enquadrada na doutrina da colegialidade, que foi um dos temas mais debatidos na assembleia. Há duas afirmações fundamentais na LG 22: que «o colégio ou corpo episcopal não tem [...] autoridade, a não ser que seja concebido unido ao Romano Pontífice, sucessor de Pedro, como sua cabeça, e sem prejuízo do seu poder de primado sobre todos, tanto pastores como fiéis»; que «a ordem dos bispos, que sucede ao colégio dos apóstolos no magistério e no governo pastoral, na qual se perpetua o corpo apostólico, é também, juntamente com a sua cabeça, o Romano Pontífice, e nunca sem esta cabeça, objeto de um poder supremo e pleno sobre toda a Igreja, embora este poder não possa ser exercido senão com o consenso do Romano Pontífice».
A ordem das declarações revela uma preocupação em defender, antes de mais, as prerrogativas do Papa; o quanto este facto condicionou a discussão pode ser compreendido a partir da opção de Paulo VI de vincular a interpretação do texto à nota explicativa praevia.
Pode dizer-se que a dificuldade de encontrar uma forma de exercício da colegialidade no pós-Concílio era pelo menos tão grande como a de encontrar outra forma de exercício do primado. A dificuldade depende, em grande parte, da existência de dois sujeitos de «poder supremo e pleno sobre toda a Igreja», pensados em absoluto, acima da Igreja. Perante este problema, muitos concluíram que, também neste ponto, a solução proposta pelo Concílio é impraticável: mais um argumento para desacreditar a autoridade do Vaticano II.
Ao invés, a solução está precisamente na eclesiologia do Concílio, quando o relemos no horizonte da sinodalidade. De facto, não se pode falar de primado e de colegialidade sem os ligar à sinodalidade: o vínculo impõe-se pela "revolução copernicana" operada pelo concílio com a inclusão do capítulo sobre o Povo de Deus na constituição sobre a Igreja, que desestruturou a societas inaequalium, fundada na dicotomia entre Ecclesia docens e discens, entre quem concentra nas suas mãos toda a capacidade ativa e quem é apenas destinatário passivo das ações dos outros.
O processo sinodal baseia-se nas relações entre Povo de Deus, Colégio dos Bispos e Bispo de Roma, e recompõe numa circularidade harmónica sinodalidade, colegialidade e primado. «Uma Igreja sinodal é uma Igreja da escuta"; e é assim pelo facto de que "Povo de Deus, Colégio Episcopal, Bispo de Roma: [são] um à escuta dos outros; e todos à escuta do Espírito Santo, o "Espírito da verdade" (Jo 14, 17), para saber o que Ele "diz às Igrejas" (Ap 2, 7)» (Francisco, Discurso no 50º Sínodo dos Bispos, 17 de outubro de 2015).
Mas a circularidade entre sinodalidade, colegialidade e primado não se compreende apenas com o restabelecimento das relações entre Povo de Deus, Colégio e Bispo de Roma. Desta forma, as possíveis tensões entre dois sujeitos com autoridade plena e suprema na Igreja podem transformar-se em possíveis conflitos entre Povo de Deus e hierarquia. O primeiro período pós-conciliar foi dominado pela alternativa entre "Igreja de baixo/de cima", Igreja do povo e hierarquia, carisma e instituição. O caminho para integrar as funções dos três sujeitos numa unidade dinâmica passa pelo princípio eclesiológico afirmado pelo Concílio, no qual se baseia todo o processo sinodal que estamos a viver.
Quando, de facto, se entende a Igreja (com a LG 23) como «o corpo das Igrejas», porque «nelas e a partir delas existe a Igreja Católica una e única», cada sujeito é colocado realmente em condições de desenvolver a sua função no processo sinodal.
O Povo de Deus, em primeiro lugar: se cada Igreja é uma portio Populi Dei, o Povo de Deus, como sujeito do sensus fidei, nunca será uma soma de pessoas, uma massa anónima, mas a totalidade dos batizados que vivem e caminham nas Igrejas; por isso, a consulta do Povo de Deus nas Igrejas particulares é verdadeira escuta do sensus fidei. Os Bispos: se cada Igreja particular é tal porque o seu Pastor é «o princípio visível e o fundamento da unidade» (LG 23), e a Igreja é «o corpo das Igrejas» em comunhão entre si, o conjunto dos Pastores não pode deixar de ser um corpo ou colégio, que representa a Igreja e que na Igreja exerce a função de discernimento nos vários níveis da communio.
É esta a dinâmica que se verifica no caso mais claro do exercício da sinodalidade, a sancta Synodus. No concílio ecuménico, cada bispo representa a sua Igreja e essa assembleia sinodal representa toda a Igreja na sua unidade e variedade.
A referência ao concílio ecuménico permite-nos compreender a novidade que está a surgir no exercício do ministério petrino. Para o explicar, basta uma referência à época dos grandes concílios: quando nos preparamos para celebrar o aniversário do Concílio de Niceia, não podemos esquecer que foi o imperador Constantino que o convocou. E isto porque a Igreja primitiva, que era sem dúvida uma Igreja sinodal, não tinha chegado a um consenso pleno em torno do primado. Se a questão se reduz a um primado de honra, a possibilidade de convocar um concílio ecuménico passa pelo princípio da unanimidade ou pela intervenção externa do imperador.
A definição de primado, relida em chave sinodal, permite à Igreja superar esse vulnus. O Concílio Vaticano II sublinhou-o bem quando afirmou que «é prerrogativa do Romano Pontífice convocar estes concílios, presidi-los e confirmá-los» (LG 22). A fórmula mais bela, que exprime a unidade do Colégio em torno do Sucessor de Pedro, é a desejada por Paulo VI, que assinava «una cum Patribus» por baixo de cada documento conciliar promulgado.
O processo sinodal identifica e aprofunda esta forma de exercício do ministério petrino. De facto, a nível da universa Ecclesia, é prerrogativa do bispo de Roma convocar a ação sinodal, uma vez que ele é o «princípio visível e fundamento da unidade» da Igreja. Muitos sublinharam a complexidade do processo sinodal que está a envolver toda a Igreja e todos na Igreja, sem sublinhar que tudo isto - desde a consulta do Povo de Deus nas Igrejas particulares, passando pelo discernimento nas Conferências Episcopais e nas Assembleias Continentais, até ao discernimento nas duas sessões da Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos - depende do ato solene de abertura do processo sinodal, celebrado em São Pedro a 10 de outubro de 2021.
O exercício do ministério petrino não se reduz a este ato inicial, para regressar no final do processo sinodal para receber os resultados e eventualmente os confirmar com uma exortação pós-sinodal. A sua função presidencial é visível na Assembleia do Sínodo dos Bispos: é ele que preside aos trabalhos na assembleia, pessoalmente ou através dos seus delegados. A sua presença é discreta, mesmo na Assembleia, onde as suas intervenções se limitam a encorajar os participantes ou a esclarecer alguns pontos que requerem a sua apreciação. Mas foi precisamente este modo de presença que facilitou o trabalho na assembleia.
Mas também todo o desenrolar do processo, em cada uma das suas fases, depende do ministério petrino: ele cumpre a sua função de acompanhamento e de confirmação do processo através da Secretaria Geral do Sínodo, que é «uma instituição permanente ao serviço do Sínodo dos Bispos, diretamente sujeita ao Romano Pontífice» (EC, art. 22 § 1), «competente para a preparação e a realização das Assembleias do Sínodo, bem como para outros assuntos que o Romano Pontífice queira submeter-lhe para o bem da Igreja universal» (EC, art. 23 § 1).
Seria um erro medir a importância do ministério petrino pela concentração de todas as decisões nas suas mãos. Posso testemunhar que o Papa Francisco sempre nos encorajou a prosseguir no nosso serviço à Igreja.
O processo sinodal não deixou de sublinhar este modo de exercer o ministério petrino. No Instrumentum laboris da primeira sessão da Assembleia, a última pergunta foi formulada assim: «À luz da relação dinâmica e circular entre sinodalidade da Igreja, colegialidade episcopal e primado petrino, como aperfeiçoar a instituição do Sínodo para que se torne espaço certo e garantido para o exercício da sinodalidade, assegurando a todos - Povo de Deus, Colégio dos Bispos e Bispo de Roma - a plena participação, no respeito das suas funções específicas?».
O Relatório de Síntese da Assembleia de 2023 contém um tema sobre o Bispo de Roma no Colégio dos Bispos (tema 13), afirmando que, numa visão sinodal, «o ministério petrino [...] é intrínseco à dinâmica sinodal» e sublinhando que «sinodalidade, colegialidade e primado se reclamam reciprocamente: o primado pressupõe o exercício da sinodalidade e da colegialidade, assim como estas implicam o exercício do primado» (13/a). A Assembleia apela então a uma reflexão mais aprofundada sobre «o modo como uma renovada compreensão do episcopado numa Igreja sinodal incide sobre o ministério do Bispo de Roma e o seu papel da Cúria Romana» (13/d).
Estes elementos indiciam uma nova forma de exercício do ministério petrino, que a Igreja, através do processo sinodal, já reconhece. A dinâmica sinodal, desenvolvida sobre o tríplice registo da communio - fidelium, Ecclesiarum, episcoporum - mostra como seria possível chegar a um exercício ecuménico do primado. O Papa disse-o no seu discurso por ocasião do 50º aniversário do Sínodo dos Bispos; confirma-o o documento do Dicastério para a Promoção da Unidade dos Cristãos sobre o Primado, ilustrando os numerosos elementos que podem ajudar a procurar uma forma de exercício do ministério petrino ao serviço de todos aqueles que «olham com fé para Jesus, autor da salvação e princípio de unidade e de paz» (LG 9), para que se cumpra a oração de Jesus: «Que todos sejam um!» (Jo 17,21).

Um diálogo notável entre as Igrejas (Khajag Barsamian)


Gostaria de começar por felicitar o Cardeal Kurt Koch e o Dicastério para a Promoção da Unidade dos Cristãos pela publicação deste documento, que será um texto de referência para o diálogo ecuménico nos próximos anos. Como salientou o Cardeal Koch, é a primeira vez que o debate ecuménico sobre o primado e a sinodalidade é resumido de forma sistemática e tão aprofundada. Pode, por isso, ser considerado como um valioso ponto de partida para uma discussão renovada sobre o exercício do primado e da sinodalidade.
Pessoalmente, como representante da Igreja Apostólica Arménia junto da Santa Sé, considero particularmente interessante constatar como o notável diálogo teológico entre as Igrejas Ortodoxas Orientais e a Igreja Católica, cujo vigésimo aniversário celebramos este ano, foi uma fonte de inspiração para este texto. Em particular, o segundo documento deste diálogo teológico, sobre o exercício da comunhão na vida da Igreja primitiva, mostra como os primeiros séculos podem ser uma fonte de inspiração para os dias de hoje.
Como afirma o Documento de Estudo, naquela época, as expressões de comunhão não eram primariamente jurídicas e havia uma grande diversidade de modelos eclesiais. É convicção da família das Igrejas Ortodoxas Orientais que estas formas de comunhão devem continuar a ser paradigmáticas, quando refletimos sobre a natureza e a missão da Igreja no terceiro milénio. Gostaria também de mencionar o diálogo teológico com a Igreja Ortodoxa Oriental, que dedicou três documentos completos ao tema do primado e da sinodalidade, em particular o último documento aprovado em Alexandria em 2023.
Como delegado fraterno da Igreja Apostólica Arménia ao Sínodo católico sobre a sinodalidade, saúdo também as propostas contidas neste texto para reforçar a sinodalidade interna na Igreja Católica. A sinodalidade da Igreja Católica é, sem dúvida, um elemento importante para as Igrejas Ortodoxas Orientais no nosso caminho para a plena comunhão. As Igrejas Ortodoxas Orientais podem também contribuir para esta reflexão através da sua experiência secular de sinodalidade.
A este propósito, gostaria também de reconhecer publicamente a iniciativa do simpósio Ouvir o Oriente, para o qual contribuí, organizado pelo Dicastério para a Promoção da Unidade dos Cristãos em colaboração com o Instituto de Estudos Ecuménicos do Angelicum de Roma em 2022.
Da mesma forma, as várias propostas do documento para reforçar a sinodalidade ad extra parecem-me promissoras, porque é possível praticar uma certa sinodalidade entre as nossas Igrejas, mesmo que ainda não estejamos em plena comunhão. A este respeito, as iniciativas do Papa Francisco, como o encontro de Bari sobre o Médio Oriente em 2018 ou, mais recentemente, a vigília ecuménica Juntos na véspera do Sínodo de 2023, devem encorajar-nos a organizar outros encontros deste tipo.
Congratulo-me particularmente com a proposta, retomada no documento, de distinguir mais claramente as diferentes funções do Papa, por um lado, como Patriarca da Igreja latina, por outro, como ministro da unidade entre as diferentes Igrejas e, finalmente, como Chefe de Estado. Neste sentido, a recente reintegração do título de «Patriarca do Ocidente» entre os títulos históricos do Papa é importante, uma vez que este título, herdado do primeiro milénio, evidencia a sua fraternidade com os outros Patriarcas. A insistência do Papa Francisco no seu ministério como Bispo de Roma é, sem dúvida, também essencial, porque é como Bispo de Roma, a Igreja «que preside à caridade», como diz Inácio de Antioquia na sua Carta aos Romanos, que o Papa é chamado a servir a comunhão das Igrejas.
Como o texto justamente assinala, o que mais falta hoje no caminho ecuménico é um modelo de plena comunhão. Todos os diálogos teológicos com as Igrejas Ortodoxas e Ortodoxas Orientais sublinham que a atual relação das Igrejas Católicas Orientais com Roma não pode ser considerada um modelo de futura comunhão. Esperamos que este documento dê um novo impulso à reflexão conjunta sobre um novo modelo, um modelo não de jurisdição mas de comunhão.
Por último, gostaria de manifestar o desejo de que este documento seja partilhado com as várias Igrejas cristãs para que possamos continuar a nossa reflexão. O aniversário do Concílio de Niceia, no próximo ano, será certamente uma boa ocasião para o fazer.

Caminhando juntos (Ian Ernest)


Também eu gostaria de agradecer ao Cardeal Koch e ao Dicastério para a Promoção da Unidade dos Cristãos pela publicação deste documento, que abre novas perspetivas para as relações ecuménicas sobre a muito debatida questão da relação entre primado e sinodalidade. No seu discurso aos Primazes anglicanos, reunidos em Roma no mês passado, o Santo Padre mencionou o papel do Bispo de Roma e usou as palavras do Papa Gregório Magno, que o descreveu como servo dos Servos de Deus: «servus servorum Dei».
Nas palavras de São João Paulo II, esta «é a melhor garantia contra o risco de separar o primado do ministério». Estas palavras são fonte de esperança, pois dão uma indicação do espírito ecuménico que prevalece. Mas, dada a extensão e a diversidade dos diálogos ecuménicos, é da maior importância contar com uma síntese temática que exponha as principais ideias, preocupações, intuições e destaques da questão. A identificação dos contributos das Igrejas Ortodoxas do Oriente, das principais Igrejas Ocidentais e das Igrejas Livres é um marco importante. Louvo a atitude da Igreja Católica de escutar seriamente as reflexões produzidas pelos diálogos ecuménicos e de contribuir assim para a receção desses diálogos.
Como representante pessoal do Arcebispo de Cantuária, congratulo-me com o facto de uma das respostas mais completas e pormenorizadas ao convite de São João Paulo II na Ut unum sint ter sido dada pela Assembleia dos Bispos da Igreja de Inglaterra em 1997. A Conferência de Lambeth e a reunião dos Primazes são também canais através dos quais o mundo anglicano é introduzido nas questões que estão em jogo nos diálogos em curso. Isto permite-nos, como Comunhão a nível mundial, compreender em espírito de oração os diálogos ecuménicos e as novas perspetivas que tocam aspetos doutrinais muito importantes. Poderíamos chamar a isto sinodalidade em ação.
Congratulo-me também por ver até que ponto o diálogo com a Comunhão Anglicana através da Comissão Internacional para o Diálogo Teológico com a Igreja Católica, ARCIC, contribuiu para esta reflexão. Como o documento recorda, já em 1976, a Comissão Conjunta, no seu documento Autoridade na Igreja I, sublinhava a necessidade das dimensões primacial e sinodal também a nível universal, afirmando que: «se a vontade de Deus para a unidade no amor e na verdade de toda a comunidade cristã for cumprida, este plano geral com os complementares aspectos primacial e conciliar da episkope ao serviço da koinonia das Igrejas tem de ser realizado a nível universal» (ARCIC 1976, 23).
Já em 1981, a mesma Comissão sublinhava a necessidade do primado a nível universal: «De acordo com a doutrina cristã, a unidade da comunidade cristã na verdade exige uma expressão visível. Concordamos que tal expressão visível é vontade de Deus e que a manutenção da unidade visível a nível universal inclui a episcope de um primado universal» (ARCIC 1981 Eluc., 8). Essas intuições, que foram rapidamente retomadas por muitos outros diálogos, especialmente pelos orientais, foram inicialmente formuladas pela ARCIC.
O último documento da ARCIC Caminhando juntos no caminho. Aprender a ser Igreja local, regional e universal também trouxe novos elementos para a reflexão sobre a sinodalidade, através da metodologia do «ecumenismo recetivo». A este propósito, tive o privilégio de participar nas conferências Ouvir o Ocidente, organizadas pelo Dicastério para a Promoção da Unidade dos Cristãos em colaboração com o Instituto Oecumenicum da Pontifícia Universidade de São Tomás de Aquino, no quadro do processo sinodal da Igreja Católica.
Entre as propostas expressas nos diálogos, gostaria de sublinhar a importância de uma "reformulação" ou de um comentário oficial ao ensinamento do Vaticano I, que continua a ser um grande obstáculo entre as nossas Igrejas, especialmente porque é difícil de compreender hoje em dia e está aberto a interpretações erróneas. Continua, portanto, a ser necessário apresentar o ensinamento do Vaticano I à luz de uma eclesiologia de comunhão, clarificando a terminologia utilizada. Apesar destes desafios, a atitude recetiva e generosa desenvolvida pelos anglicanos ao longo dos anos «convida toda a cristandade a caminhar em conjunto numa compreensão mais rica e mais unida das tradições cristãs e da missão da Igreja».
Por esta razão, gostaria de saudar a proposta de sinodalidade ad extra. A este respeito, o retiro espiritual para os líderes do Sudão do Sul, organizado pelo Papa Francisco e pelo Arcebispo Justin Welby em 2019, a peregrinação ecuménica pela paz no Sudão do Sul, organizada pelo Papa Francisco, pelo Arcebispo Justin Welby e pelo Reverendo Iain Greenshields em 2023, e a vigília de oração ecuménica «Juntos: Encontro do Povo de Deus» na Praça de São Pedro em 2023, na véspera da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, são exemplos deste "caminhar juntos" ou ecumenismo sinodal a que o Papa Francisco nos convida.
Para concluir, também eu gostaria de exprimir o desejo de que este documento seja partilhado com as várias Igrejas cristãs, para que possamos continuar a nossa reflexão, «evidentemente juntos», como desejava o Papa João Paulo II.

Tradução portuguesa dos intervenções publicadas por Settimana News (14 de junho de 2024).