11/08/2017

Um ano depois do Santo e Grande Concílio da Igreja Ortodoxa: Que receção?

Uma receção difícil

Em junho do ano passado, na solenidade de Pentecostes, encerrava solenemente em Creta o Santo e Grande Concílio da Igreja Ortodoxa (Kolymbari, 20-26 de junho de 2016). Como notávamos então, «o modo como este concílio será considerado dependerá da receção que terá na consciência e na vida eclesial de toda a ortodoxia».
O metropolita Chrysostomos de Messénia reafirmou que «a receção é um processo contínuo da própria vida da Igreja... é uma questão que dificilmente pode ser superada ou transcurada, visto que constitui a expressão da capacidade do corpo eclesial tornar "suas" as decisões sinodais».
No caso do concílio de Creta, a receção tornou-se mais complexa, como se sabe, pelo facto de quatro das catorze Igrejas que formam a Igreja Ortodoxa (Patriarcado de Antioquia, Patriarcado de Moscovo, Igreja ortodoxa búlgara, Igreja ortodoxa da Geórgia) terem decidido não tomar parte. Nas declarações oficiais dos sínodos dessas Igrejas, a assembleia de Creta, mesmo se considerada «um acontecimento importante», não é reconhecida como «Santo e Grande Concílio» e às suas decisões não é atribuído valor vinculante. O Patriarcado de Moscovo e o da Geórgia confiaram o exame dos documentos conciliares (os seis documentos aprovados, juntamente com a Encíclica e a Mensagem) a comissões teológicas próprias, para avaliar se podem constituir a base de discussão para um próximo concílio.
Numa entrevista recente, o Metropolita Hilarion de Volokolamsk, à frente do departamento para as relações externas do Patriarcado de Moscovo, definiu o concílio de Creta «um concílio de dez Igrejas ortodoxas locais» e «um importante passo para um concílio pan-ortodoxo» e afirmou que «de momento continuamos a estudar as decisões do concílio de Creta, e os nossos teólogos estão a trabalhar. Brevemente deveremos dar o nosso parecer sobre estes documentos, mas consideramos que a nossa tarefa principal, depois do concílio como já tinha sido antes dele, é a de reforçar a unidade pan-ortodoxa e de nos abstermos de todos os passos que possam prejudicar esta unidade».
O concílio de Creta é assim concebido como o primeiro passado de um caminho conciliar que está ainda em curso e que tem de continuar com o concurso de todas as Igrejas ortodoxas.
Aliás, na sua Mensagem aos fiéis ortodoxos e a todas as pessoas de boa vontade, o concílio de Creta tinha «formulado a proposta de fazer do Santo e Grande Concílio uma instituição a convocar a cada 7 ou 10 anos». O Patriarcado da Roménia já se declarou disponível para receber um futuro concílio, «abrindo» também para a posição das Igrejas não presentes em Creta: «Os textos [dos documentos conciliares] podem ser explicados, em parte matizados ou desenvolvidos por um futuro Grande e Santo Concílio da Igreja Ortodoxa. Todavia, a sua interpretação e a redação dos novos textos sobre diversas questões não devem ser realizadas com precipitação e sem acordo pan-ortodoxo, mas devem ser retardados e revistos até que se encontro um pleno acordo». A Igreja da Roménia confirma assim o seu precioso papel mediador, fazendo entrever a possibilidade de uma «terceira solução», alternativa quer à receção dos documentos conciliares como vinculantes, quer à sua total recusa. Até agora a proposta não obteve respostas.
As Igrejas, como Patriarcado ecuménico, que insistem em defender a «autoridade pan-ortodoxa» das decisões tomadas no concílio apelam para o regulamento do próprio concílio, aprovado pelos primazes de todas as Igrejas ortodoxas em janeiro de 2016 (cf. Regulamento, art. 14, par. 2). Algumas Igrejas locais, como a Igreja da Grécia e a Igreja do Chipre, publicaram nos meses passados encíclicas e comunicados para informarem o conjunto do povo ortodoxo sobre os conteúdos do Santo e Grande Concílio realizado em Creta. O Santo Sínodo da Igreja da Grécia afirmou que «os textos do Santo e Grande Concílio da Igreja Ortodoxa constituem objeto de aprofundamento e de ulterior reflexão. Isto vale para todos os concílio da Igreja. O diálogo teológico não está interrompido. Pressuposto certamente necessário é que seja guardada intacta a verdade teológica e que este diálogo seja realizado sem fanatismos nem contraposições, sem conspirações nem divisões que firam a unidade da Igreja. As divisões (cismas) são graves doenças espirituais. Segundo as palavras de São João Crisóstomo, "dividir a Igreja, cultivar a discórdia e gerar dissensões e afastar-se continuamente do caminho comum (sínodo) é imperdoável e digno de condenação" (PG 48, 872). Por isso, exortam-se os fiéis e não darem peso às palavras daqueles que os impelem a afastarem-se da Igreja para constituírem um grupo separado do corpo eclesial, fazendo apelo a motivos fantasiosos de correção dogmática».
Muito importante foi também a aprovação das decisões conciliares por parte do Santo Sínodo do Patriarcado da Sérvia, considerando que no seu interior se tinham manifestado inicialmente oposições ao concílio ao ponto de ter sido colocada em dúvida a sua participação nele.

As oposições ao concílio

O comunicado da Igreja da Grécia alude a alguns grupos «zelotes» contrários desde o início à própria ideia do concílio e agora mais do que nunca intrépidos opositores das suas decisões (particularmente hostilizada a aceitação do termo «Igrejas» para as comunidades cristãs não ortodoxas).
Semelhantes oposições «tradicionalistas» emergiram também no interior das outras Igrejas ortodoxas, como por exemplo na Igreja da Roménia e do Chipre; estes grupos de oposição são transversais relativamente a cada Igreja autocéfala para procurarem apoio recíproco e empreenderem mais eficazmente a sua batalha comum.
Como notou o teólogo ortodoxo Paul Ladouceur «o neotradicionalismo na ortodoxia é caraterizado pela insistência numa estrita adesão à letra da tradição antiga que se reflete na teologia patrística, na liturgia e no direito canónico. Manifesta-se emblematicamente através de um sistemático e estridente anti-ocidentalismo, que evidencia os factores e«históricos, culturais, teológicos e sociopolíticos  que distinguem o cristianismo oriental do ocidental, muitas vezes transcurando ou desvalorizando oportunamente elementos que os unem» (Neo-Tradicionalism in Orthodoxy and the Great and Holy Council).
Estas oposições manifestaram-se no interior das Igreja da Grécia, com o apoio aberto, em alguns casos, dos bispos locais, chegando mesmo à grave decisão de rutura da comunhão eucarística, criando confusão e desconcerto no povo de Deus. O Patriarca Ecuménico, numa carta pessoal ao Arcebispo Hieronymos de Atenas (de 19 de novembro de 2016), exortou-o a tomar medidas adequadas no confronto com estes bispos, clérigos, monges e leigos que criam escândalo e divisão na Igreja, opondo-se às decisões do concílio.
A situação de tensão parece hoje estar recomposta. O próprio Patriarca Ecuménico Bartholomeos, na recente visita a Atenas, a 7 de junho de 2017, agradeceu ao Arcebispo Hieronymos pelo seu «apoio absoluto» durante o grande acontecimento do Santo e Grande Concílio.
Na mesma circunstância, o Patriarca falou da necessidade de que as decisões do concílio sejam dadas a conhecer mais adequadamente, sublinhando que «agora, todos juntos, temos de aplicar as decisões do concílio. Muitas faculdades teológicas e teólogos individualmente já as desenvolvem. Está, por isso, em preparação um grande congresso teológico inter-ortodoxo para Salónica, em abril de 2018, com o objetivo de que as decisões deste concílio sejam difundidas o mais amplamente possível, de modo a chegarem à posse dos fiéis ortodoxos».

O debate teológico

O acontecimento e os temas do concílio animam o debate teológico ortodoxo, como testemunham os numerosos congressos deste ano: o congresso organizado de 26 a 28 de abril de 2017 pela Faculdade teológica e pelo Centro de Estudos de direito canónico da Universidade de Babeș-Bolylai (Cluj-Napoca, Roménia), «O Santo e Grande Concílio: Acontecimento escatológico ou normalidade eclesial?»; o congresso organizado pela diocese grega de Katerini a 11 de maio, «O dia seguinte ao Santo e Grande Concílio: Perspetivas e esperanças»; o seminário desenvolvido em 16 de maio na Academia de Creta, «Aproximação teológica aos textos do Santo e Grande Concílio da Igreja Ortodoca», onde, na sua mensagem, o Patriarca Ecuménico sublinhou que «O Santo e Grande Concílio de Creta... representa, sem dúvida, o acontecimento mais importante da nossa Igreja Ortodoxa nos últimos anos, realizado para o reforço da sua unidade e do funcionamento da instituição conciliar no seu interior».
Como escreveu um teólogo da diáspora ortodoxa norte-americana, Athanasios Giocas, «em definitivo, o concílio de 2016, tanto nos seus sucessos como nos seus percebidos defeitos, reflete as forças e as debilidades do curso histórico da Igreja visível. Agora mais do que nunca é tempo para uma cauta reflexão, com o objetivo de aprender com a experiência do concílio, tanto com os seus aspetos positivos como com os negativos, em ordem a confirmar (ou repensar) o formato do próximo concílio». Um desejo semelhante foi formulado por um teólogo da Igreja de Antioquia, Assaad Elias Kattan, aliás crítico dos resultados do concílio: «O que espera as Igrejas ortodoxas depois do concílio de Creta é bastante mais importante do que o que o precedeu. Os ortodoxos encontram-se, portanto, ainda no início do caminho quando se trata das grandes questões e dos grandes desafios presentes no nosso mundo contemporâneo. Neste sentido o concílio de Creta era indispensável para que pudéssemos aprender. Esperando, claro, que aprendamos...».
O caminho do Santo e Grande Concílio da Igreja Ortodoxa neste ano realizou os seus primeiros passos. O bispo Maxim (diocese ocidental dos Estados Unidos da América do Patriarcado da Sérvia), no seu Diário do Concílio, anota: «Para a opinião repetidamente formulada, segundo a qual este concílio não é nem Santo nem Grande por causa de algumas das suas deficiências, não há outra resposta a dar que esta: será o futuro a dar significado e substância ao passado. O período que se seguirá ao concílio mostrará se este concílio correspondeu e realizou o critério dos concílios ecuménicos» (Diary of the Council. Reflections fron the Holy and Great Council, Los Angeles - Creta 2016, pp. 41-42).
Estamos convencidos da verdade das palavras pronunciadas pelo Patriarca Bartholomeos no encerramento do concílio de Creta: «O significado e o peso deste concílio está, em primeiro lugar, no próprio facto de ter sido realizado, por graça de Deus, depois de tantos séculos durante os quais não tinha sido possível. Só isto bastaria para o tornar num dos grandes acontecimentos da história da Igreja».
De resto, como afirmou o Arcebispo Jovan de Ochrida, «os problemas citados... parecem pequenos diante da grandeza do acontecimento do concílio. E a partir do momento em que se encontrou a força para realizar este concílio, apesar dos muitos obstáculos, agora, depois do concílio, tudo parece mais promissor. O passo do nada ao mínimo é bastante maior do que o do mínimo ao muito».