21/09/2017

Uma primeira leitura da Mensagem conjunta para o Dia Mundial de Oração pela Criação

Neste dia 21 de setembro de 2017, em que os cristãos do Grande Porto, se encontram na Paróquia do Salvador do Mundo, da Igreja Lusitana – Comunhão Anglicana, pelas 21.30 h., para um Tempo de Oração pela Criação, integrado no Roteiro Ecuménico, disponibilizamos em tradução portuguesa uma leitura da Mensagem conjunta do papa Francisco e do patriarca Bartolomeu para o Dia Mundial da Criação, ocorrido no passado dia 1 de setembro, que também faz o ponto da situação das iniciativas ecuménicas relacionadas com o cuidado e salvaguarda da criação.

A 31 de agosto foi publicada a Mensagem conjunta para o Dia Mundial de Oração pela Criação, assinada pelo para Francisco e pelo patriarca ecuménico Bartolomeu: esta mensagem pode ser considerada uma «pedra vida» para o caminho ecuménico pelo seu conteúdo e pelo seu significado, como tantos sublinharam com comentários favoráveis à Mensagem e poucos ignoraram com leituras políticas e com algum silêncio sobre este ato ecuménico.
A Mensagem parte da ideia de que qualquer reflexão sobre a criação deve estar radicada numa leitura comum das Sagradas Escrituras, que representam uma fonte extraordinária para compreender cada vez melhor, dia após dia, quão precioso e único é o dom da terra; os cristãos estão chamados a ser responsáveis até ao fim, visto que «todas as coisas no céu e na terra serão recapituladas em Cristo», tanto mais que «a dignidade e a prosperidade humanas estão profundamente conexas com o cuidado no que respeita a toda a criação». Encontra-se, portanto, na Palavra de Deus o fundamento do desejo partilhado por Roma e Constantinopla de condenar as agressões a que a criação continua a ser submetida; sobre estas agressões, de que a humanidade é responsável, detêm-se o papa Francisco e o patriarca Bartolomeu depois deste apelo para as Sagradas Escrituras, que pode ser acolhido por todos os cristãos.
Diante deste dom pelo qual estamos chamados a viver «a vocação a ser colaboradores de Deus», é impossível não observar o que o tempo presente mostra sobre o modo como esta vocação é ofuscada: as escolhas dos homens e mulheres do século XXI parecem não ter em conta a natureza, que deve ser sustentada e não explorada indiscriminadamente, manipulando e destruindo os recursos limitados do mundo: «Já não respeitamos a natureza como dom partilhado; consideramo-la antes como posse privada. Já não nos relacionamos com a natureza para a sustentar; pomos e dispomos mais dela para alimentar as nossas estruturas».
Oferecida esta leitura da relação distorcida com a criação, distante do desígnio de Deus, o papa Francisco e o patriarca Bartolomeu convidam a refletir sobre as consequências «trágicas e duradoiras», que provocam mudanças climáticas, atingindo sobretudo «as pessoas mais vulneráveis... quantos vivem pobremente em cada ponto do globo»: assim, «usar responsavelmente os bens da terra» significa ter em consideração a criação de todas as formas; os cristãos são, por isso, agora chamados a cuidar da criação, encontrando novos caminhos para favorecer «um desenvolvimento sustentável e integral», que não é um slogan político, mas é uma resposta afirmativa a quanto o Senhor pede.
Ao partilharem «a mesma preocupação pela criação de Deus, reconhecendo que a terra é um bem em comum», o papa e o patriarca ecuménico dirigem-se «a todas as pessoas de boa vontade» para que vivam o dia 1 de setembro como «um tempo de oração pelo ambiente», dando graças ao Senhor pelo dom da criação e refletindo, uma vez mais, no facto de que só com a oração se podem modificar as situações, ou seja «mudar o modo como percebemos o mundo com o objetivo de mudarmos o modo como nos relacionamos com o mundo». Na oração pela criação pode encontrar-se a força para desenvolver uma solidariedade cada vez mais forte, que tem um sabor ecuménico, a partir do momento em que chama os cristãos a partilharem denúncias, projetos e esperanças.
A Mensagem conclui-se com um apelo dirigido «a quantos ocupam uma posição de relevo no âmbito social, económico, político e cultural»; trata-se de um apelo «urgente» pelo qual que se pede que se formulem políticas que possam responder às necessidades de quem vive nas margens da sociedade e que se escutem as propostas de «tantos» que pedem mudanças para sarar «a criação ferida». As últimas palavras do papa e do patriarca indicam um percurso a realizar, a partir do momento em que não pode «haver uma solução genuína e duradoira para o desafio da crise ecológica e das alterações climáticas sem uma resposta concertada e coletiva, sem uma responsabilidade partilhada e em condições de prestar contas de quanto realiza, sem dar prioridade à solidariedade e ao serviço».
Esta Mensagem assumiu um relevo muito particular não só pelo seu conteúdo, mas também pelas múltiplas implicações no caminho ecuménico. Antes de mais, a Mensagem reafirmou a profunda comunhão entre Roma e Constantinopla sobre um tema tão relevante como é a salvaguarda da criação para a presença da Igreja na sociedade contemporânea: isto aconteceu graças ao patriarca Bartolomeu, que soube, com uma série de iniciativas internacionais e com a publicação de textos, não só por ocasião do Dia da Criação, enriquecer a tradição oriental que, desde há séculos, se interroga sobre a relação entre o homem e a criação; o patriarca Bartolomeu conseguiu também com a sua constante chamada de atenção para o património comum do oriente cristão, na sua ação pela salvaguarda da criação, vencer resistências e perplexidades no mundo ortodoxo, onde cada Igreja, mais ou menos lentamente, começou a pensar a relação entre Igreja, religiões, sociedade e criação, criando ocasiões de comunhão real entre ortodoxos. O papa Francisco também contribuiu para tornar tornar o tema da salvaguarda da criação um dos eixos privilegiados da relação entre Roma e Constantinopla: o papa Francisco colocou-se numa tradição  antiga, minoritária, ligada frequentemente a lugares e figuras locais, matizada nas formas  presente na Igreja católica, relançando a ideia de que os católicos têm de estar na primeira linha da denúncia das agressões contra a criação, que determinam novas pobrezas, agravando as já existentes, e na formulação de propostas concretas para uma sociedade mais equitativa na distribuição dos bens e mais respeitosa pelo mundo na definição dos programas económicos. O papa Francisco publicou a encíclica Lodato Si', na qual, desde os primeiros «rumores» que acompanharam a sua redação, surgiu como central a dimensão ecuménica, reafirmada com a instituição, a poucas semanas da publicação da encíclica, de um Dia Mundial da Criação para o dia 1 de setembro, de modo a coincidir com o calendário da Igreja ortodoxa. O constante apelo à Lodato Si', tão presente nas intervenções do papa Francisco, como aconteceu ainda na última viagem à Colômbia, manteve bem viva esta atenção em ordem a um repensamento da relação com a criação, como sinal tangível de uma etapa da Igreja e do mundo.
A Mensagem também tem um significado particular para o diálogo ecuménico à luz de tantas iniciativas em que os cristãos se juntam pela salvaguarda da criação, em tantas partes do mundo, com iniciativas que vão mesmo para além dos confins da ecumene cristã, assumindo uma dimensão interreligiosa. Entre estas iniciativas  muitas das quais com um caminho de várias décadas, agora conhecido e partilhado  recorde-se o empenho do Conselho Ecuménico das Igrejas que vive a tensão ecuménica pela salvaguarda da criação, não só no Tempo da Criação (1 de setembro - 4 de outubro), mas também em diversos momentos do ano, como nas sete semanas da Quaresma, onde é central a reflexão sobre a água. Deste horizonte ecuménico, tão vivo e articulado, faz parte também a Giornata per la custodia del creato, instituída há doze anos pela Conferência Episcopal Italiana, para favorecer uma reflexão, guiada por uma mensagem anual, com um tema e uma passagem bíblica de referência, de modo a envolver toda a sociedade, a partir dos cristãos que ainda não se encontram em comunhão plena e visível com a Igreja católica. Esta Giornata, que inclui sempre uma celebração nacional num lugar sempre diferente  este ano realizou-se em Gubbio para refletir e para rezar sobre «O Senhor está realmente neste lugar e eu não sabia» (Gen 28, 16). Viajantes na terra de Deus  assumiu formas muito diversas nas várias dioceses: estas celebrações têm em comum o desejo de ultrapassar as fronteiras da Igreja católica, que, após as decisões tomadas na III Assembleia Ecuménica Europeia (Sibiu, 4-9 de setembro de 2007), decidiu permitir que esta Giornata se celebrasse no Tempo da Criação, que vai de 1 de setembro a 4 de outubro, o dia em que a Igreja católica faz memória de Francisco de Assis.
Da Mensagem do papa Francisco e do patriarca Bartolomeu emerge, com renovada força para os cristãos do século XXI, a importância de recordar a todos, a começar pelos fiéis de Roma e de Constantinopla, que é fundamental para a missão do anúncio do evangelho e do seu testemunho no mundo fazem juntos, sempre, o que se pode e deve fazer, como rezar pela salvaguarda da criação, pedindo em alta voz que se ponha fim às agressões contra a natureza para construir uma sociedade mais justa, na qual o desenvolvimento económico esteja em harmonia com o desígnio de Deus para o mundo, de modo a derrotar a marginalização e a pobreza.

Riccardo Burigana