06/01/2023

Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos (18 a 25 de janeiro de 2023)

«Aprendei a fazer o bem, procurai a justiça»
(Isaías 1, 17)


Aleksandra Maszestow, To nic…
Introdução
Isaías viveu e profetizou em Judá durante o oitavo século antes de Cristo e foi contemporâneo de Amós, Miqueias e Oseias. Isso aconteceu no fim de um período de sucesso económico e de estabilidade tanto para Israel como para Judá, devido à fraqueza dos “superpoderes” daquele tempo, o Egito e a Assíria. No entanto, foi também um período no qual a injustiça, a iniquidade e as desigualdades eram crescentes em ambos os reinos.
Esse período também viu a religião desenvolver-se como uma expressão ritual e formal da fé em Deus, concentrada nas oferendas e sacrifícios no templo. Essa religião formal e ritual era presidida pelos sacerdotes, que eram também os beneficiários da grandeza dos ricos e poderosos. Devido à proximidade física e à conexão entre o palácio real e o templo, o poder e a influência estavam quase inteiramente no rei e nos sacerdotes, não tendo nenhum dos quais, por longo período dessa história, se erguido em defesa dos que estavam a sofrer a opressão e a iniquidade. Na visão que se tinha naquele mundo (que se repete através da história), os ricos e os que faziam ofertas eram vistos como bons e abençoados por Deus, enquanto os pobres, que não podiam oferecer sacrifícios, eram vistos como perversos e amaldiçoados por Deus. Os pobres frequentemente eram rejeitados pela sua inabilidade económica de participar plenamente da adoração no templo.
Isaías falou nesse contexto, tentando despertar a consciência do povo de Judá para a realidade da sua situação. Em vez de exaltar a religiosidade contemporânea como uma bênção, Isaías viu-a como uma ferida infecciosa e um sacrilégio diante do Todo Poderoso. A injustiça e a desigualdade levam à fragmentação e à desunião. As profecias de Isaias, além de denunciarem a hipocrisia de oferecer sacrifícios enquanto se oprime o pobre, denunciam as más estruturas políticas, sociais e religiosas. Ele fala vigorosamente tanto contra os líderes corruptos, como em favor dos desfavorecidos, enraizando o direito e a justiça exclusivamente em Deus.
O grupo de trabalho indicado pelo Conselho das Igrejas de Minnesota escolheu este versículo do primeiro capítulo do profeta Isaías como texto central para a Semana de Oração: «Aprendei a fazer o bem, procurai a justiça, chamai à razão o espoliador, fazei justiça ao órfão, tomai a defesa da viúva» (1,17).
Isaías ensinou que Deus exige de todos nós um comportamento correto e exige que pratiquemos a justiça, em todos os instantes e campos da vida. O mundo de hoje espelha de muitas maneiras os desafios de divisão com que Isaías se confrontou na sua pregação. A justiça, a retidão e a unidade têm a sua origem no amor profundo de Deus por cada um de nós. Estão no coração do que Deus é e do que Deus espera que sejamos uns para com os outros. O compromisso de Deus de criar uma humanidade «de todas as nações, tribos, povos e línguas» (Ap 7,9) chama-nos à paz e à unidade que Deus sempre quis para a criação.
A linguagem do profeta no que diz respeito à religiosidade de seu tempo é feroz – «Cessai de trazer oferendas vãs: da fumaça (incenso) tenho horror… Quando estendeis as mãos cubro os olhos» (versículos 13 e 15). Tendo proclamado essas condenações inflamadas e diagnosticado o que está errado, Isaías oferece os remédios para tais iniquidades. Ele instrui o povo de Deus dizendo: «Lavai-vos, purificai-vos. Tirai do alcance do meu olhar as vossas más ações; cessai de fazer o mal» (versículo 16).
Também nos dias de hoje a separação e a opressão continuam a manifestar-se quando qualquer grupo ou classe recebe privilégios acima de outros. O pecado do racismo é evidente em qualquer crença ou prática que distinguem ou elevam uma “raça” [1] acima de outra. Quando isso é acompanhado ou sustentado por desequilíbrios no poder, o preconceito racial supera os relacionamentos individuais e atinge as próprias estruturas da sociedade – com a sistemática perpetuação do racismo. A existência desse preconceito devido simplesmente à cor da pele ou à associação cultural baseada em perceções de “raça” tem beneficiado injustamente alguns, incluindo igrejas, e sobrecarregado e excluído a outros.
Tal como os líderes religiosos tão veementemente denunciados pelos profetas bíblicos, também alguns cristãos têm sido ou continuam a ser cúmplices da aceitação ou da perpetuação de preconceitos, da opressão e do crescimento da divisão. A história mostra que, em vez de reconhecerem a dignidade de todo ser humano criado à imagem e semelhança de Deus, muitos cristãos deixam-se frequentemente envolver por estruturas de pecado como a escravidão, a colonização, a segregação e a separação que feriram outros na sua dignidade por questões raciais. Assim também dentro das Igrejas, muitos cristãos têm falhado no reconhecimento da dignidade de todos os batizados e têm desprezado a dignidade dos seus irmãos e irmãs em Cristo, baseando-se em supostas diferenças raciais.
O Reverendo Dr. Martin Luther King Jr memoravelmente disse: «É uma das tragédias da nossa nação, uma das vergonhosas tragédias, que o horário das 11 da manhã de domingo seja uma das horas mais segregativas, ou a mais segregativa hora na América cristã». Essa declaração demonstra as conexões entre a desunião dos cristãos e a desunião da humanidade. Todas as divisões têm a sua raiz no pecado, isto é, em atitudes e ações que vão contra a unidade que Deus deseja para o conjunto da sua criação. O racismo é, tragicamente, parte do pecado que tem dividido os cristãos entre si, fazendo-os celebrar em horários separados, em lugares separados e, em certos casos, tem levado à divisão em algumas comunidades cristãs.
Infelizmente pouca coisa mudou após a declaração de Martin Luther King. O horário das 11 horas da manhã – o mais comum para as celebrações dominicais – frequentemente não mostra a unidade cristã, mas, pelo contrário, mostra a divisão, evidenciando classificações e separações raciais e sociais. Como Isaías proclamou, essa hipocrisia entre pessoas de fé é uma ofensa diante de Deus: «podeis multiplicar as orações, não as escuto: vossas mãos estão cheias de sangue» (v 15).

Aprendei a fazer o bem
No texto da Escritura escolhido para a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos de 2023, o profeta Isaías nos ensina como podemos curar esses males. Aprender a fazer o que é certo requer a decisão de entrar num processo de autorreflexão. A Semana de Oração é o tempo perfeito para os cristãos reconhecerem que as nossas Igrejas e confissões não podem ficar separadas por conta das divisões que existem dentro da mais ampla família humana. Orar juntos pela unidade dos cristãos permite-nos uma reflexão sobre aquilo que nos une e compromete-nos a enfrentar a opressão e a divisão vivida na humanidade.
O profeta Miqueias mostra que Deus nos disse o que é bom e o que quer de nós: «respeitar o direito, amar a fidelidade e caminhar humildemente com seu Deus» (Mq 6,8). Para agir com justiça temos que respeitar todas as pessoas. A justiça exige um tratamento verdadeiramente igualitário para corrigir a desvantagem histórica baseada na “raça”, no género, na religião e no status socioeconómico. Caminhar humildemente com Deus requer arrependimento, reparações e, finalmente, reconciliação. Deus espera que nos unamos numa responsabilidade partilhada pela igualdade de todos os seus filhos. A unidade dos cristãos deve ser um sinal e uma amostra da unidade reconciliada de toda a criação. No entanto, a divisão entre os cristãos enfraquece esse sinal, servindo para reforçar a divisão em vez de trazer cura para as falhas do mundo, que é a missão da Igreja.

Procurai a justiça
Isaías aconselha Judá a buscar a justiça (v. 17), e isso é um reconhecimento da existência da injustiça e da opressão naquela sociedade. Ele implora que o povo de Judá reverta esse status quo. A busca pela justiça requer que enfrentemos aqueles que fazem o mal a outros. Isso não é uma tarefa fácil e algumas vezes levará a conflitos, mas Jesus assegura que buscar a justiça contra a opressão leva-nos ao Reino dos céus. «Felizes os perseguidos por causa da justiça: deles é o Reino dos céus» (Mt 5,10). As Igrejas em muitas partes do mundo percebem como se acomodaram diante de normas sociais e como se calaram ou foram cúmplices no que diz respeito à injustiça social. O preconceito racial tem sido uma das causas da divisão cristã que despedaçou o Corpo de Cristo. Ideologias nocivas, como a Supremacia Branca e a «doutrina da descoberta» [2] têm causado muitos danos, particularmente na América do Norte e em terras por todo o mundo, colonizadas por poderes europeus brancos ao longo dos séculos. Como cristãos precisamos de querer desmontar os sistemas de opressão e defender a justiça.
O ano em que o grupo de redação do Minnesota esteve a preparar os textos para a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos foi marcado pela maldade, pela devastação e pela opressão vividas de várias maneiras no mundo. Esse sofrimento foi muito acentuado em inúmeras regiões, especialmente no Hemisfério Sul, pela epidemia da Covid-19, onde até mesmo a subsistência básica foi para muitos quase impossível, e a assistência prática esteve bastante ausente. O autor do Eclesiastes parece estar a falar de uma experiência assim: «Vi, ainda, todas as opressões praticadas debaixo do sol. Os oprimidos choram e pedem ajuda, mas ninguém os consola, ninguém os liberta da violência dos seus opressores» (Ecl 4,1).
A opressão é nociva para toda a raça humana. Não pode haver unidade sem justiça. Ao orarmos pela unidade dos cristãos, precisamos de perceber a opressão atual e de nos comprometermos resolutamente a arrepender-nos desses pecados. Podemos dirigir para nós a orientação de Isaías: «Lavai-vos, purificai-vos» porque «as vossas mãos estão cheias de sangue» (Is 1,15.16).

Socorrer os oprimidos
A Bíblia diz-nos que não podemos separar a nossa relação com Cristo da nossa atitude em relação ao povo de Deus, particularmente aos que são considerados «os mais pequeninos» (Mt 25,40). O nosso compromisso de uns para com os outros requer uma atitude de mishpat, palavra hebraica para justiça restaurativa, defendendo aqueles cujas vozes não foram ouvidas, desmantelando estruturas que criam e alimentam a injustiça, e construindo outras que promovam e garantam que todos recebam o justo tratamento e tenham os seus direitos respeitados. Esse trabalho precisa de estender-se para além dos nossos amigos, família e congregações, abrangendo o conjunto da humanidade. Os cristãos são chamados a ouvir os gritos dos que estão a sofrer, para compreenderem melhor e responderem às histórias dos seus sofrimentos e traumas. O Reverendo Martin Luther King declarou com frequência que «uma revolta é a linguagem dos que não são ouvidos». Quando se erguem frequentemente protestos e movimentos civis é porque a voz dos que protestam não está a ser ouvida. Se as Igrejas unirem as suas vozes à dos oprimidos, o seu grito pela justiça e pela libertação será amplificado. Servimos e amamos a Deus e ao próximo servindo e amando uns aos outros em unidade.

Defender o órfão, zelar pela viúva
As viúvas e os órfãos ocupam um lugar especial na Bíblia hebraica, juntamente com os estrangeiros, enquanto representantes dos membros mais vulneráveis da sociedade. No contexto do sucesso económico em Judá no tempo de Isaías, a situação dos órfãos e das viúvas era desesperante, estavam desprovidos de proteção e do direito de possuir terra e, portanto, não tinham capacidade de cuidar das suas necessidades. O profeta faz um apelo à comunidade, que gozava de prosperidade, para que não negligencie, para que defenda e alimente os mais pobres e mais vulneráveis que ali se encontravam. Esse apelo profético ecoa no nosso tempo, quando consideramos: Quem quais são as pessoas mais vulneráveis na nossa sociedade? Que vozes não estão a ser ouvidas nas nossas comunidades? Quem é que não está representado na mesa? Porquê? Quais são as Igrejas e comunidades que estão fora dos nossos diálogos, da nossa ação comum e da nossa oração pela unidade dos cristãos? Ao orarmos juntos durante a Semana de Oração, o que é que gostaríamos de fazer a respeito dessas vozes ausentes?

Conclusão
Isaías desafiou o povo de Deus do seu tempo a aprender a fazer o bem em conjunto, a socorrer em conjunto os oprimidos, a defender o órfão e a zelar pela viúva em união. A proposta desafiante aplica-se igualmente a nós hoje. Como podemos viver a nossa unidade como cristãos para enfrentarmos os males e as injustiças de nosso tempo? Como podemos entrar em diálogo, aumentar a perceção, a compreensão e a visão das experiências de vida uns dos outros? Essas preces e encontros de coração têm o poder de nos transformar individual e coletivamente. Estejamos abertos à presença de Deus em todos os nossos encontros uns com os outros, enquanto procuramos ser transformados para desmantelarmos os sistemas de opressão e curarmos os pecados do racismo. Comprometamo-nos juntos na luta pela justiça na nossa sociedade. Todos pertencemos a Cristo.