Este ano os cristãos têm uma ocasião excecional para manifestarem a
sua unidade ao celebrarem a ressurreição de Jesus Cristo na mesma data. Mas
isto não voltará acontecer até 2025, se as Igrejas continuarem a seguir cada
uma o seu modo tradicional de calcularem a data da Páscoa.
Parece um paradoxo: todas as Igrejas concordam em celebrar a Páscoa no
primeiro domingo após a primeira lua cheia do equinócio de março [1],
mas há normalmente duas datas diferentes para esta celebração. A razão da contradição
é que, após a introdução deste critério, as Igrejas do ocidente adotaram
maioritariamente o calendário gregoriano, enquanto as ortodoxas mantiveram o
calendário juliano para determinarem a data da lua cheia [2].
Este problema foi percebido como tal sobretudo no século XX. A questão
investiu particularmente contra a Igreja ortodoxa, quando em 1923 o Parlamento
grego introduziu o calendário gregoriano, dando início a um conflito entre a
Igreja e o Estado [3]. Um
congresso pan-ortodoxo de maio de 1923 decidiu, por isso, rever o calendário
juliano adaptando-o a uma maior exatidão astronómica. Mas resultaram roturas na
Igreja grega, na romena e em outras. Hoje, no mundo ortodoxo, a situação geral é
que para a data da Páscoa todas as Igrejas usam o calendário juliano (com
exceção da Igreja da Finlândia, que segue o gregoriano), enquanto para todas as
outras festas, algumas Igrejas – em particular
as de língua grega e a romena – usam o calendário gregoriano.
Com a crescente mobilidade das pessoas e a gradual interconexão entre
nações e países, em razão do comércio e dos negócios que os novos meios de
transporte e de comunicação tornaram possíveis, começou a advertir-se também no
âmbito civil a exigência de uma regulamentação mais clara da data da Páscoa. A
sua irregularidade e mobilidade anual criavam desvantagens sobretudo ao nível
de compensações financeiras. Por isso, em 1923 a Sociedade das Nações avançou
com a proposta de fixar, depois de acordo com as Igrejas, a Páscoa no domingo
seguinte ao segundo sábado de abril. Assim a matéria foi objeto de discussão do
incipiente movimento ecuménico, com o envolvimento da Comissão cristã universal
Vida e Ação. Em resultado da consulta, a maior parte das Igrejas protestantes
concordaram com um domingo fixo para a data da Páscoa e o Patriarcado ecuménico
também se mostrou aberto a tal proposta (com a condição de que todas as Igrejas
estivessem de acordo), mas Roma deu uma resposta negativa. Toda a iniciativa
daquela que entretanto se tornou a ONU fracassou definitivamente em 1955 com a
recusa do governo dos EUA em adotar um novo calendário.
Em 1964 a situação no interior das Igrejas mudou, na medida em que a
Igreja católica, no decreto conciliar Orientalium
ecclesiarum (§ 20) afirmou a sua disponibilidade para uma data comum, tanto
fixa como móvel, desde que todas as Igrejas partilhassem a solução. Noutra
consulta, encetada pelo Conselho ecuménico das Igrejas no seguimento desta
mudança de atitude, a maioria das Igrejas ocidentais mostrou preferência por
uma data fixa, enquanto para as Igrejas ortodoxas continuou a ser importante a observância
da regra de Niceia.
Em 1977 a Igreja católica encetou uma iniciativa de entendimento com o
Conselho ecuménico das Igrejas que conduziu a outro inquérito com um resultado
idêntico ao precedente. Os ortodoxos afirmaram também claramente que uma
decisão sobre semelhante questão só poderia ser tomada a nível pan-ortodoxo.
Assim discutiram o assunto durante os trabalhos preparatórios do Concílio
pan-ortodoxo. A segunda conferência pan-ortodoxa pré-conciliar propôs, por
isso, em 1982 em Chambésy, uma mais precisa definição da data da Páscoa segundo
a regra de Niceia. Mas exprimiu também o receio de que uma mudança de
calendário provocasse novos cismas. Por isso, considerou-se que o momento não
era apropriado para semelhante mudança.
Entre as Igrejas ortodoxas orientais havia maior abertura para a
mudança: em 1971 a Igreja siro-ortodoxa propôs que se fixasse a data da Páscoa
no domingo seguinte ao segundo sábado de abril e em 1984 declarou a sua própria
disponibilidade para celebrar a Páscoa em qualquer domingo de abril, com a
condição de que todas as Igrejas estivessem de acordo.
A questão regressou, em seguida, ao Conselho ecuménico das Igrejas. A
iniciativa de maior importância foi uma consulta em 1997 em Aleppo, organizada
pelo secretariado da Comissão Fé e Constituição a convite do metropolita
siro-ortodoxo Gregorios Yohanna Ibrahim. A consulta propôs que se mantivesse a
regra de Niceia, mas usando os dados astronómicos mais precisos (nem o
calendário gregoriano nem o juliano e os seus respetivos ciclos pascais), tendo
por base o meridiano geográfico de Jerusalém. A proposta foi enviada às Igrejas
para que a examinassem. O resultado foi que as Igrejas do ocidente estiveram de
acordo, enquanto as Igrejas ortodoxas acharam difícil aceitar a proposta, na
medida em que os dados astronómicos precisos estabeleceriam um calendário
demasiado próximo do gregoriano. A mudança seria, pois, tão substancial que não
poderia ser aceite pelos fiéis.
Na sua IX Assembleia geral de 2006 em Porto Alegre (Brasil), o
Conselho ecuménico das Igrejas reafirmou que uma data comum para a Páscoa seria
parte do progresso rumo à unidade visível dos cristãos, mas não assumiu nenhuma
iniciativa.
A questão só reemergiu recentemente, quando em 2014 Tawadros II, papa
da Igreja copto-ortodoxa, pediu ao papa Francisco que realizasse um novo
esforço para uma data unificada da Páscoa e discutiu o assunto também com o
Patriarca ecuménico. Em maio de 2015, Tawadros deu mais um passo, propondo que
se fixasse a Páscoa no terceiro domingo de abril. Um mês depois o papa
Francisco expressou desejo de estabelecer uma data comum para a Páscoa e
reafirmou a disponibilidade da Igreja católica no que respeita a uma data fixa.
O papa ainda discutiu isto com o Patriarca siro-ortodoxo, que também pareceu
pronto para tal solução. Mas uma declaração de um porta-voz do Patriarcado de
Moscovo esclareceu logo que a Igreja ortodoxa russa não abandonaria a regra de
Niceia e não aceitaria uma data fixa: convidava antes católicos e protestantes
a adotarem o calendário juliano. Em janeiro de 2016, o arcebispo de Cantuária
declarou que vislumbrava a possibilidade de um acordo sobre uma data fixa para
a Páscoa no espaço «de cinco a dez anos».
Se se analisar o conjunto da discussão, a situação pode ser
sintetizada em duas orientações: as Igrejas ocidentais e as ortodoxas orientais
estão dispostas a uma data para a Páscoa fixada num determinado domingo de
abril; as Igrejas ortodoxas têm intenção de manter a data móvel segundo as
regras de Niceia. Isto levanta a questão de se será alguma vez possível
encontrar uma data comum. Para avançar nestas reflexões, toda a questão precisa
de ser vista mais em detalhe. Um ponto importante para os ortodoxos é um ulterior
critério ligado às decisões do concílio de Niceia: a Páscoa não pode ser
celebrada em concomitância com a judaica. Esta regra foi interpretada de vários
modos e impede ulteriormente a abertura à mudança [4].
Mas o problema principal para os ortodoxos parece ser concretamente o receio de
divisões no interior das Igrejas ortodoxas. E esta preocupação tem de ser levada a sério.
Concluindo, parece claro que deslocar a data da Páscoa para um dia
fixo (um domingo de abril) seria uma mudança radical, porque pelo menos durante
1500 anos a Páscoa sempre foi celebrada num domingo móvel, tendo por base o
equinócio e a lua cheia. Uma mudança semelhante romperia também com a tradição
de indicar uma ligação com a Páscoa judaica, mantendo ao mesmo tempo uma clara
distinção entre as duas. Uma data fixa num domingo específico de abril seria
uma solução pragmática, em linha com a tendência atual de organizar a vida tendo
por base as necessidades determinadas pela sociedade civil. Mas a discussão
também tem mostrado que esta solução dificilmente poderá ser aceite por todas
as Igrejas.
A meu ver, a única solução com possibilidades realistas de sucesso –
mas que nunca foi tida em consideração a nível mundial – passaria por todas as
Igrejas se unirem ao método ortodoxo de fixarem a data da Páscoa, usando o
calendário juliano. Esta proposta não é nova: é praticada a nível local no
Egito e na Jordânia, onde – seguindo uma indicação do Conselho das Igrejas do
Médio Oriente de 1994 [5]
– as Igrejas ocidentais decidiram seguir a maioria ortodoxa. Esta solução
permite seguir a regra de Niceia que atualmente une todas as Igrejas cristãs e
tem em consideração tanto a ligação entre a Páscoa e o ciclo da natureza como o
seu significado simbólico vinculado à impressionante irrupção da ressurreição
no habitual fluxo dos acontecimentos naturais. A desvantagem consistiria no
facto de que o equinócio e a lua cheia astronómicos, e portanto reais, não
seriam respeitados, mesmo se simbolicamente tidos em consideração. A partir do
momento em que as Igrejas ocidentais estão dispostas inclusivamente a
renunciarem à regra de Niceia, poderiam antes renunciar – por amor à unidade –
à ideia de seguir a precisão astronómica.
Dagmar Heller, para a Finestra Ecumenica do Mosteiro de Bose
Teóloga luterana, docente de Teologia ecuménica no Instituto Ecuménico
de Bossey (Suíça)
[1]
Uma regra que a tradição interpreta como decisão do concílio de Niceia de 325,
mesmo se daquele concílio não temos documentos oficiais a esse respeito.
[2] Maiores detalhes no meu artigo “The
Date of Easter – A Church Dividing issue?”, in Ecumenical Review 48/1996, 392-400..
[3]
Enquanto noutros países de maioria ortodoxa os cristãos estavam habituados a
terem dois calendários – um para o âmbito secular e outro para a vida eclesial –
na Grécia a população estava acostumada a que o calendário civil fosse idêntico
ao eclesiástico.
[4]
A dificuldade consiste em saber se este conceito deve ser entendido em relação à
data da Páscoa no tempo de Jesus ou em relação à atual data de Pesach,
determinada por modalidades ligeiramente diferentes relativamente aos tempos de
Jesus.
[5] Memorandum
“Uma data unificada para a Páscoa”, V Assembleia do MECC, 15-21 de novembro de
1994, Limassol, Chipre.