13/07/2016

Dois acontecimentos ecumenicamente significativos: A visita do papa Francisco à Arménia; a sua audiência com uma delegação do Patriarcado de Constantinopla

Cumprindo a tarefa de sensibilizar os fiéis da Diocese do Porto para a causa ecuménica, a Comissão Ecuménica Diocesana do Porto vem destacar dois acontecimentos ecumenicamente significativos ocorridos em finais do passado mês de junho: a visita do papa Francisco à Arménia, ocorrida entre 24 e 26 de junho; a visita de uma delegação do Patriarcado ortodoxo de Constantinopla a Roma em 28 de junho, por ocasião da Solenidade de São Pedro e São Paulo, celebrada a 29 do mesmo mês.
Relativamente à visita de Francisco à Arménia, já tivemos oportunidade de divulgar a Declaração comum do papa Francisco e do patriarca (catholicos) da Igreja Arménia Karekin II. Oferecemos agora uma visão mais ampla da visita e do seu significado ecuménico, divulgando a seguir, em tradução portuguesa, um texto da «Finestra Ecumenica» do Mosteiro de Bose alusivo a este assunto, com o título «Visita do papa Francisco à Arménia».
A delegação do Patriarcado ortodoxo de Constantinopla foi enviada a Roma, segundo a tradição, pelo patriarca Bartolomeu, por ocasião da solenidade de São Pedro e São Paulo. Foi liderada pelo metropolita Methodios de Boston, acompanhado pelo arcebispo Job de Telmessos e pelo diácono patriarcal Tsimalis. A delegação entregou ao papa Francisco uma mensagem do patriarca Bartolomeu com o título «Nas raízes da crise ecológica». Depois de evocar o encontro com Francisco na ilha de Lesbos e a atual crise dos refugiados, Bartolomeu referiu-se à pertinência ecuménica do cuidado da criação: «Expressamos a nossa alegria e o nosso aprazimento pelo facto de a sua encíclica Laudato Si’ – que gentilmente fez referência às iniciativas ecológicas do Patriarcado Ecuménico, assim como à ênfase que damos às raízes espirituais e morais da crise ecológica, juntamente com a necessidade de arrependimento, de mudança radical de atitudes e de comportamentos para a sua resolução – ter sido amplamente apreciada, demonstrando as dimensões e as consequências sociais do problema ecológico. Todo aquele que ama Deus de todo o coração, entendimento e forças (cf. Mc 12, 30) ama também a humanidade e se preocupa pela criação de Deus como casa abençoada da humanidade. O dúplice “grande mandamento” do amor, sobre o qual “se fundam toda a lei e os Profetas” (cf. Mt 22, 37.40-41) abraça também o cuidado da criação» (L’Osservatore romano. Edição semanal em português (7 julho 2016) 4). Ao receber em audiência a delegação do Patriarcado de Constantinopla, o papa Francisco proferiu um discurso sobre a «Responsabilidade comum», em que, no contexto do Jubileu da Misericórdia, renovou «aquela experiência de perdão e de graça que irmana todos os crentes em Cristo», valorizou o diálogo teológico que contribui para superar os obstáculos à unidade, evocou o encontro na ilha de Lesbos para visitar refugiados e migrantes, e referiu ter acompanhado com a oração a preparação próxima e o andamento do recente concílio pan-ortodoxo realizado na ilha de Creta. Remetemos para uma leitura do texto completo do discurso.
A seguir, apresentamos o referido texto da «Finestra Ecumenica» de Bose sobre a visita do papa Francisco à Arménia.

A visita do papa Francisco à Arménia

Nos dia 24 a 26 de junho, o bispo de Roma, o papa Francisco, visitou o povo e a Igreja arménia, acolhendo o convite que lhe foi dirigido pelo patriarca supremo e catholicos de todos os arménios, Karekin II, e pelo presidente da República Arménia. Trata-se da primeira viagem ao Cáucaso, onde o papa Francisco voltará brevemente, no próximo mês de setembro, para visitar a Geórgia e o Azerbaijão.
Os laços da Igreja católica romana com a Igreja arménia foram-se intensificando nas últimas décadas, graças também às visitas fraternas dos chefes das respetivas Igrejas, iniciados pelo papa Paulo VI e o catholicos Vasken I. Tendo prosseguido com João Paulo II, primeiramente com Karekin I e depois com o sucessor e atual catholicos Karekin II, estes intercâmbios fraternos enriqueceram o conhecimento e a compreensão recíproca entre as duas Igrejas (comunicado de imprensa).
Mas no último ano esta reaproximação conheceu uma aceleração significativa, de que esta viagem também é fruto, por ocasião da proclamação como doutor da Igreja pelo papa Francisco de uma figura eminente da tradição arménia, Gregório de Narek, ocorrida a 22 de abril de 2015. Na altura dessa proclamação, vieram a Roma o patriarca supremo e catholicos de todos os arménios Karekin II, o catholicos da grande casa da Cilícia Aram I, juntamente com o patriarca da Cilícia dos arménios, Nerses Bedros XIX, chefe da Igreja arménio-católica, e o presidente da República Arménia. 
Para a Igreja católica foi ocasião de fazer memória do centenário do genocídio do povo arménio, mas de um modo particular: reconhecendo o grande valor daquela tradição cristã numa das suas maiores figuras. Um reconhecimento que pode considerar-se único pelo seu alcance ecuménico, dado que Gregório de Narek viveu numa época (século X) em que a comunhão entre as duas Igrejas já tinha sido interrompida há séculos (a partir do concílio de Calcedónia de 451). Com aquele ato, portanto, a Igreja católica reconheceu oficialmente o magistério e a santidade que floresceu numa outra Igreja, com quem não partilha a mesma tradição conciliar. Um caminho ecuménico novo que cremos que poderá ser precursor de frutos significativos.
É neste o contexto que se inscreve a visita recentemente concluída, durante a qual o bispo de Roma foi acolhido com grande fraternidade pelo povo e pela hierarquia arménia apostólica (ortodoxa) e arménia católica, num clima verdadeiramente novo, feito de orações partilhadas, de discursos sinceros e cordiais e de convívio.
O bispo de Roma chegou ao aeroporto Zvarnost de Yerevan às primeiras horas da tarde do dia 24, onde foi acolhido pelas máximas autoridades políticas e religiosas, o presidente da República Arménia e o catholicos supremo de todos os arménios, Karekin II. Daqui dirigiu-se, na primeira etapa da visita, à sede histórica da Igreja arménia, a catedral de Atchmiadzin, onde as palavras de boas-vindas foram expressas no contexto orante de uma oração ecuménica, a que o papa Francisco fez eco, ao dirigir-se ao catholicos Karekin II como «venerado irmão» e ao insistir no espírito de fraternidade de que tal visita queria ser expressão.
O bispo de Roma também recordou imediatamente os dois grandes sinais de que o povo arménio foi e permanece portador para todo o mundo cristão, que constituíram as notas dominantes de todos os discursos subsequentes nos três dias da visita: a antiguidade da fé deste povo, considerado o primeiro a ter acolhido o anúncio evangélico; o testemunho do martírio dado ao longo dos séculos e particularmente durante aquilo que o papa Francisco não hesitou em definir uma vez mais como «genocídio», ocorrido há um século apenas.
Esta primeira oração ecuménica, vivida no local onde a tradição arménia recorda a «descida do Unigénito» (Etchmiadzin), assumiu imediatamente tons proféticos de desejo da unidade plena, a que nem o papa nem o catholicos deram a intender terem renunciado. Pelo contrário, foi mais uma vez reclamada a importância de valorizar «tudo aquilo que une», graças a uma genuína redescoberta daquele amor de Cristo em que «crescem o conhecimento e a estima recíprocas, se criam melhores condições para um caminho ecuménico frutuoso e, ao mesmo tempo, se mostra a todas as pessoas de boa vontade e à sociedade inteira um caminho concreto que se pode percorrer para harmonizar os conflitos que dilaceram a vida civil e cavam divisões difíceis de curar».
A memória do «Metz Yeghern» (grande mal), definido como «tragédia» e «genocídio», esteve, por seu lado, no centro do encontro com as autoridades civis e o corpo diplomático, que se desenvolveu logo a seguir no palácio presidencial. Uma catástrofe que, como outras que ensanguentaram o século XX, foi perpetrada, disse o papa Francisco, enquanto «as grandes potências viravam a cara para o outro lado», insistindo na importância de que «quantos declaram a sua fé em Deus unam as suas forças para isolar quem quer que use a religião para levar a cabo projetos de guerra, opressão e perseguição violenta, instrumentalizando e manipulando o Santo Nome de Deus».
A recordação do «grande mal» abriu a jornada seguinte (25 de junho) com a visita ao memorial do genocídio (Tzitzernakaberd), onde os discursos deram lugar ao silêncio e aos gestos. A jornada prosseguiu em Gyumri, capital da província de Shirak, no noroeste do país, região com uma importante presença católica, com quem o papa celebrou uma eucaristia a que a presença do catholicos Karekin II deu, mais uma vez, um grande significado ecuménico. Na homilia, fazendo referência ao terramoto que atingiu a região em 1988, o papa indicou três alicerces para reconstruir a vida cristã: a memória dos benefícios do Senhor, mesmo nas tragédias que aviltam o rosto da humanidade; a fé viva, alimentada pelo encontro quotidiano com a palavra de Deus; e o amor misericordioso, recebido e dado. A visita concluiu-se com uma breve paragem nas duas catedrais da cidade: a arménio-apostólica e a arménio-católica.
De regresso a Yerevan, na oração ecuménica na praça da República, o papa voltou a reafirmar a centralidade do caminho ecuménico, pelo qual – disse - «olhamos verdadeiramente com confiança para o dia em que, com a ajuda de Deus, estaremos unidos junto do altar do sacrifício de Cristo, na plenitude da comunhão eucarística», alertando, todavia, para uma leitura estratégica e contraposta de tal procura: «A unidade não é uma espécie de vantagem estratégica que se deve procurar por interesse mútuo, mas aquilo que Jesus nos pede».
A jornada conclusiva da viagem abriu-se ainda em Etchmiadzin, com o encontro do papa Francisco com todos os bispos católicos, realizado – facto também ecumenicamente significativo – no palácio apostólico. Seguiu-se a participação na divina liturgia celebrada pelo catholicos Karekin II, na qual o papa pronunciou o seu último discurso, e um momento importante de convívio com o almoço que uniu todos os bispos ortodoxos e católicos presentes. No termo, foi assinada a Declaração conjunta, em que são reevocados os temas salientes recorrentes nas várias intervenções do papa e do catholicos, com um olhar significativo para o presente: a situação dos cristãos no médio oriente e a questão do Nagorno-Karabakh. Aí se insiste também que «os mártires pertencem a todas as Igrejas e o seu sofrimento é um “ecumenismo de sangue” que transcende as divisões históricas entre os cristãos, convidando-nos a todos a promover a unidade visível dos discípulos de Cristo».
O monte Ararat, visto do mosteiro de Khor Virap, um dos lugares mais caros à memória do povo arménio, porque ligado a São Gregório Iluminador, serviu de cenário ao último encontro desta viagem. Uma imagem com alcance bíblico: o papa e o catholicos libertam em direção ao céu duas pombas brancas. Uma mensagem de esperança carregada de tantas expetativas, de paz e de comunhão. Um gesto que se converte também em ação de graças, porque, mesmo entre muitas contradições e desmentidos, o dom da fraternidade aparece uma vez mais possível, como estes três dias intensos souberam demonstrar.