03/03/2018

«Avançar no Espírito: chamados a um discipulado de transformação»: A Conferência Missionária Mundial ecuménica em Arusha (Tanzânia)

De 8 a 13 de março deste ano reunir-se-á em Arusha, na Tanzânia, a Conferência Missionária Mundial, organizada e preparada pela Comissão para a Missão e a Evangelização (CME) do Conselho Ecuménico das Igrejas (CEC). Cerca de 900 participantes vão celebrar os dons de Deus, partilhar histórias pessoais, estudar a Bíblia e procurar a orientação do Espírito, reunidos em volta do toma: «Avançar no Espírito: chamados a um discipulado em transformação».
Esta Conferência será a 12ª de uma longa série, iniciada aproximadamente 20 anos depois da famosa conferência de Edimburgo de 1910, considerada o ponto de partida do movimento ecuménico contemporâneo. É certo que Edimburgo não era uma conferência de natureza "ecuménica" como a entendemos hoje: ela estava em grande parte dominada por pessoas das missões "tradicionais" e evangélicas, provenientes do hemisfério setentrional do globo. Foi peculiar, devido à participação dos anglicanos da "Igreja alta" e à qualidade das intervenções sobre a missão, mas também à reflexão sobre as condições para uma maior unidade entre as igrejas. Indiretamente, Edimburgo deu vida ao Conselho Missionário Internacional (CMI), que organizou a primeira Conferência Missionária Mundial, em Jerusalém, em 1928. A partir de então, tais conferências reuniram-se a cada 8-10 anos. Na sequência da fusão do CMI com o CEC em 1961, estas conferências desenvolveram-se sob a égide do CEC e compreendem não só os representantes dos Conselhos Missionários Nacionais, mas também representantes das igrejas que integram o CEC, também os ortodoxos. A representatividade das Conferências Missionárias Mundiais foi ulteriormente ampliada após o Concílio Vaticano II, quando a adesão à CME foi aberta também aos delegados católicos e, mais recentemente, aos pentecostais e aos evangélicos.

As Conferências Missionárias Mundiais

Qual é o significado de um tal encontro? Ele oferece uma oportunidade aos delegados de todo o mundo e a multas igrejas para repensarem o seu compromisso e as suas prioridades missionárias, assim como o papel das igrejas em ordem aos desafios que, no seu conjunto, podem ser concretizados no estudo e na oração. Os documentos dessas Conferências Missionárias mostram que a ênfase temática recaiu sobre a prática da missão num determinado momento da história. Alguns destes documentos tornaram-se marcos miliários no desenvolvimento do testemunho cristão: a Conferência de Willingen (1952) introduziu o conceito de missio Dei; a da Cidade do México (1963) foi caraterizada pela "missão em seis continentes"; a de Banguecoque (1973) alargou a perspetiva da salvação e desafiou as estruturas missionárias tradicionais, pedindo uma moratória. Em 1980, em Melbourne, a atenção concentrou-se no papel dos pobres na missão libertadora de Deus. A Conferência de Santo António (1989) elaborou uma fórmula de consenso sobre o testemunho cristão perante pessoas de outras religiões. Organizado em Salvador, no Brasil, o encontro de 1996 tomou como tema a relação entre evangelho e culturas. A última conferência da CME ocorreu em Atenas, na Grécia, em 2005, com uma oração como tema: «Vem, Espírito Santo, cura e reconcilia»; deste modo a pneumatologia, algo descurada na missiologia ecuménica, foi levada para o centro da teoria e da prática do testemunho cristão.
A ênfase pneumatológica está agora plenamente presente na nova declaração sobre a missão do CEC, promulgada em 2012, depois de muitos anos de reflexão e de consultas comuns, nomeadamente uma Conferência importante dedicada àquela declaração, em Manila, em 2011. No documento Juntos pela vida, a missão é considerada como inspirada e guiada pelo Espírito Santo. Nele são desenvolvidos quatro aspetos principais: O Espírito como "sopro de vida" ativo na criação e na história humana; o Espírito de libertação que confere poder àqueles que vivem nas margens da sociedade; o Espírito de comunhão que permite às igrejas testemunharem e lutarem pela unidade; e, por fim, o Espírito de Pentecostes que fornece as razões e a capacidade de partilhar a boa notícia com todos. O documento entende todas estas dimensões como referidas ao banquete da vida oferecido por Deus em Cristo, uma vida plena que se realizará no reino que virá, mas que já é real e é celebrada quando vivemos uma espiritualidade transformadora na missão.
O documento Juntos pela vida fornece as bases teológicas principais para a Conferência de Arusha. Podem também referir-se as deliberações da última assembleia do CEC, em Busan, na Coreia, com o seu apelo a uma peregrinação comum pela justiça e a paz: uma espiritualidade transformadora na missão tem de ser vivida como indivíduos, mas também como comunidade e em comunhão e solidariedade com as outras igrejas e os outros povos. Temos, portanto, um claro desenvolvimento temático de Atenas a Arusha.

Um ecumenismo amplo

As dinâmicas de Arusha podem, todavia, ser influenciadas também por um outro desenvolvimento. A partir dos anos 90, o CEC iniciou um processo de reflexão sobre a própria identidade e sobre o próprio papel no interior do movimento ecuménico mais amplo. A deslocação do centro de gravidade do cristianismo do norte para o sul do mundo, mas também o crescimento das igrejas pentecostais e carismáticas exigiram um alargamento dos horizontes. As reflexões sobre a missão e sobre a evangelização têm de ser empreendidas pelo maior número possível de atores, no quadro da grande missão de Deus. Esta cooperação no interior do "movimento ecuménico alargado" tornou-se cada vez mais evidente de 2000 em diante. A Conferência de Atenas foi preparada com uma boa cooperação não só dos católicos, mas também dos pentecostais e dos evangélicos. A celebração do centenário da Conferência de Edimburgo de 1910 teve lugar sob orientação de um Conselho em que participaram os órgãos mais representativos do vasto movimento ecuménico, desde ortodoxos e católicos a evangélicos e pentecostais. A publicação em 2011 de linhas orientadoras comuns sobre o testemunho cristão, com a assinatura do CEC, do Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-religioso e da Aliança Evangélica Mundial, representou um passo importante em tal cooperação. Em Arusha, pelo menos 25% dos participantes deveria representar um espectro mais amplo relativamente ao grupo dos membros do CEC.

Quatro caraterísticas

Os organizadores do encontro de Arusha consideram-no como tendo quatro caraterísticas: será um acontecimento ecuménico, um acontecimento missionário, uma conferência africana e um encontro influenciado pelos jovens. Um olhar histórico retrospetivo mostra como estes encontros influenciaram sempre quer questões relativas à missão, quer o desejo da unidade da Igreja. Acolhido pela Igreja Evangélica Luterana na Tanzânia, o encontro será modelado de modo significativo pelos africanos, que estarão presentes em grande número: a sua vida e as suas dinâmicas espirituais, assim como a sua abordagem dos sinais dos tempos e das questões teológicas deveriam dar a esta Conferência uma ênfase particular. A última Conferência Missionária Mundial do CMI ou CME organizada em solo africano ocorreu em 1958, em Accra, no Gana, e foi durante este encontro no Gana que o CMI tomou a decisão histórica de se fundir com o CEC, para mostrar que missão e Igreja andam juntas.
Os organizadores esperam dos participantes jovens um contributo importante sobre o modo de pensar e de praticar a missão. Seguindo a tradição dos outros acontecimento ecuménicos recentes, paralelamente à Conferência, está prevista a organização de um Instituto Teológico Ecuménico Mundial, em que 100 jovens estudantes, estudiosos e responsáveis das igrejas vão refletir juntos sobre os desafios missionários contemporâneos. As suas deliberações terão impacto sobre toda a Conferência.
«Avançar no Espírito: chamados a um discipulado em transformação»: baseando-se na ênfase pneumatológica colocada pelas recentes reflexões missiológicas na oikumene, a atenção concentra-se no discipulado. A ideia de discipulado tem de ser transformada, para se entender como um apelo a um compromisso ativo na missão de Deus, a um anúncio à maneira de Cristo. Como discípulos temos necessidade de ser constantemente transformados pela força do Espírito, embarcados numa difícil viagem espiritual guiada pelos valores do reino de Deus, em solidariedade com as pessoas que vivem nas margens da sociedade. O convite é para um discipulado com um alto preço que vise transformar este mundo, tão radicalmente marcado pela injustiça, o ódio, o racismo e a exclusão de todo o género. Num texto em anexo ao convite aos participantes, os organizadores formulam este desafio como se segue:
«O que significará para nós, como indivíduos e como igrejas, ser transformados pelo poder do Espírito Santo? O que significará unirmo-nos ao Espírito na sua ação de transformação e de cura de um mundo dilacerado? Estas são as questão que a nossa Conferência afrontará».

Jacques Matthey
Pastor da Igreja Reformada de Genebra e
ex-diretor da Comissão para a Missão e a Evangelização do CEC