21/12/2018

Servir a comunhão

No sentido de informar e formar para o ecumenismo na Igreja do Porto, divulgamos, em versão portuguesa, a notícia duma iniciativa do movimento ecuménico, neste caso no âmbito do diálogo entre católicos romanos e ortodoxos, publicada pela Finestra Ecumenica do Mosteiro de Bose.

O diálogo teológico entre a Igreja católica e a Igreja ortodoxa não acontece apenas a nível oficial, através do mandato confiado pelas igrejas à Comissão mista internacional para o diálogo teológico entre a Igreja católica e a Igreja ortodoxa, mas também graças à reflexão e aos encontros fraternos de teólogos que se sentem comprometidos pelo evangelho na busca da unidade.
Neste espírito, com o fim de ajudar e apoiar o diálogo teológico oficial entre ortodoxos e católicos, que no início dos anos 2000 conhecia um abrandamento devido ao problema do uniatismo, nasceu em 2004 o Grupo de trabalho misto ortodoxo-católico Santo Ireneu, graças à iniciativa do Instituto ecuménico Johann Adam Möhler de Paderborn. Um grupo de teólogos católicos e ortodoxos decidiu empreender livremente um percurso de estudo para aprofundar os aspetos mais problemáticos que ainda dividem as suas igrejas, através do confronto respeitoso de mentalidades e de modelos de pensamento diferentes, num diálogo que não dissolva mas enriqueça a identidade de cada interlocutor.
Um primeiro fruto desta procura comum é o documento “Servir a comunhão. Repensar a relação entre primado e sonodalidade”, resultado de diversos anos de trabalho e apresentado em Graz a 18 de outubro de 2018. No decurso da apresentação oficial, no Meerscheinschlössl da Universidade de Graz, intervieram os dois copresidentes do Grupo Santo Ireneu, o bispo católico Gerhard Feige de Magdeburgo e o metropolita ortodoxo romeno Serafim (Joantă) da Alemanha, Europa central e setentrional, o bispo de Graz-Seckau Wilhelm Krautwaschl, o bispo ortodoxo sérvio Andrej (Ćilerdžić) da Áustria e Suíça e o vice-decano da Faculdade teológica de Graz, Rainer Bucher.
O Grupo Santo Ireneu, que em 2012 tinha tido a sua sessão anual no Mosteiro de Bose, é formado por 13 membros ortodoxos pertencentes às diversas igrejas ortodoxas (os patriarcados de Constantinopla, Antioquia, Moscovo, Sérvia, Roménia, Bulgária, a Igreja ortodoxa da Grécia e a Igreja ortodoxa da América) e 13 membros católicos de diversos países (Argentina, Áustria, Alemanha, França, Itália, Líbano, Malta, Países Baixos e Estados Unidos). Os membros do Grupo Santo Ireneu não são delegados das respetivas igrejas, mas são convidados tendo por base as suas competências: não se trata, por isso, de uma comissão oficial de diálogo, mas de um grupo de trabalho livre, que se reúne com a intenção de promover o diálogo ortodoxo-católico a nível internacional, em espírito de serviço às igrejas.
Neste sentido, o estudo apresentado em Graz toca um dos temas de maior importância no diálogo atual entre a Igreja ortodoxa e a Igreja católica: o modo em que se articulam, enquanto termos correlativos, primado e sinodalidade, a todos os níveis: local, regional, universal. É o tema objeto dos dois últimos documentos da Comissão mista internacional para o Diálogo teológico entre a Igreja católica e a Igreja ortodoxa, o de Ravena (“As consequências eclesiológicas e canónicas da natureza sacramental da Igreja: Comunhão eclesial, conciliaridade e autoridade”, 2007) e o de Chieti (“Sinodalidade e primado durante o primeiro milénio: Rumo a uma compreensão comum ao serviço da unidade da Igreja”, 2016).
A importância do documento do Grupo Santo Ireneu reside tanto no método como nos conteúdos. Não se trata tecnicamente de um texto de consenso, mas de um estudo histórico e teológico sobre como, ao longo de dois milénios de história das igrejas, formas de governo sinodais e formas primaciais  se formaram e consolidaram, estiveram em tensão mas também em fecunda interação. Uma primeira novidade está, portanto, na extensão cronológica: o estudo diz respeito não só ao primeiro milénio mas também ao segundo, quando as divisões e os conflitos entre as igrejas já não puderam ser sanados. Um outro aspeto importante do documento reside na opção metodológica de utilizar uma grelha em que a abordagem hermenêutica, o estudo da história das igrejas e a reflexão sistemática procuram estar em constante inter-relação. Que significado têm nos diversos contextos e nas diversas tradições palavras como “catolicidade”, “primado”, “sinodalidade”, “colegialidade”, “conciliaridade”? O que é que significam exatamente os termos “primado de honra”, “infalibilidade”, “jurisdição universal”? Como é que a experiência conciliar do século XX e XXI, tanto na Igreja católica com o II Concílio do Vaticano, como nas igrejas ortodoxas com o Concílio de Moscovo de 1917-18 e o Concílio panortodoxo de Creta (2016), abriu novos caminhos para pensar e praticar a unidade na Igreja e entre as igrejas? São estas as questões colocadas pelo documento de Graz, a que procura dar uma resposta partilhada por católicos e ortodoxos.
Na conclusão do estudo, sublinha-se a importância da eucaristia como magistério para a unidade: “A interação entre aquele que preside e a assembleia eucarística constitui […] o fundamento teológico para uma renovada compreensão do primado e da sinodalidade na Igreja e da autoridade que, exercitada tanto de modo primacial como sinodal, tem de estar sempre ao serviço da comunidade. Tanto a Escritura como a Tradição atestam a necessidade de um ministério primacial para servir a unidade da Igreja a vários níveis. Mas atestam também a necessidade da sinodalidade a todos os níveis da vida eclesial. A complementaridade destes dois princípios será central para uma mais profunda compreensão teológica da Igreja, que tornará mais fácil a reconciliação entre ortodoxos e católicos” (17.5).
Mesmo na consciência “de não terem chegado ainda ao ponto de formularem recomendações concretas que possam constituir a base para a restauração da plena comunhão”, os membros do Grupo Santo Ireneu estão convencidos “que o diálogo ortodoxo-católico está no caminho da unidade e que ainda hoje é possível discernir as grandes linhas de uma Igreja católica e ortodoxa plenamente em comunhão”. Para isto, naturalmente, não é suficiente o diálogo e o estudo teológicos, mas são necessários “a boa vontade, o desejo de cooperar e de trabalhar em conjunto para construir pontes, não só entre teólogos académicos, mas também entre os padres, que têm ao seu cuidado a vida eclesial quotidiana, e entre todos os batizados, que têm de encontrar a sua própria voz como membros do Corpo de Cristo”.