17/07/2020

Se “Santa Sofia” se tornar uma mesquita

A imperiosa decisão do Presidente turco Recep Tayyip Erdogan de transformar o museu de Santa Sofia (Ayasofya) numa mesquita levanta um conjunto intrincado de questões históricas, religiosas e geopolíticas. Problemas, em si mesmos, distintos, mas tão emaranhados uns com os outros que é muito difícil desatá-los, a não ser que se use a espada – como Alexandre Magno terá feito no passado com o nó de Górdio.

Uma história gloriosa e dolorosa 

Depois de se ter tornado capital do Império Romano do Oriente, Constantinopla devia ter uma catedral esplêndida, que rivalizasse com a da primeira Roma. De facto, com o édito de Milão de 313, os imperadores Constantino e Licínio tinham proclamado o cristianismo “religião lícita”, iniciando assim um caminho que, com um percurso não inteiramente linear, levaria depois Teodósio, em 380, a proclamar essa religião como a primeira e única religião oficial do império.
Foi neste contexto que a primeira “grande igreja” foi construída no século IV. Esta foi destruída e depois reconstruída no século seguinte, mas também ela sofreu várias devastações, designadamente depois de uma revolta popular. Finalmente, no século VI, o Imperador Justiniano quis retomar do zero o grande projeto e, em dezembro de 537, inaugurou solenemente a nova e arquitetonicamente impressionante grande basílica de Hagia Sophia, Santa Sofia (= Divina Sabedoria). Ela sofreu incêndios, terramotos e colapsos da cúpula majestosa – depois reconstruída – mas acabou por resistir, deixando fiéis e visitantes sem palavras, dada a beleza dos seus mosaicos e a ousadia do conjunto. 
Foi no altar de Santa Sofia que em julho de 1054 o cardeal Humberto da Silva Cândida colocou no altar a Bula de excomunhão do patriarca Miguel Cerulário, que respondeu com um gesto semelhante: desde então a “antiga” e a “nova” Roma permanecerão até hoje em estado de cisma, mesmo se a verdadeira rutura se deu em 1204, durante a IV Cruzada, quando os venezianos e outros ocidentais saquearam Constantinopla e ali instalaram um insensato império latino que seria derrotado pelos bizantinos em 1261. 
Entretanto, após conquistarem pouco a pouco toda a Anatólia, os turcos otomanos, liderados por Mehmet II, tomaram Constantinopla a 29 de maio de 1453, pondo fim ao milenário Império Romano do Oriente. O novo sultão transformaria Santa Sofia numa mesquita; e assim permaneceria durante quase meio milénio. Com efeito, quando Mustafà Kemal, mais tarde apelidado de Atatürk, criou em 1923, sobre as cinzas do Império Otomano, a Turquia moderna, um estado absolutamente laico, esperou alguns anos para mudar o estatuto daquela mesquita. Fê-lo finalmente em novembro de 1934, ao decidir transformar Ayasofya num museu, aberto ao público a partir de fevereiro do ano seguinte.

O projeto de Erdogan

Já há alguns anos que o presidente turco tinha deixado claro que tencionava mudar o estatuto de Ayasofya. Para realizar o projeto, esperou pela “luz verde” (ordenada por ele) do Conselho de Estado; e a 10 de julho de 2020, sexta-feira, assinou o decreto que entra formalmente em vigor a 24 de julho, duas semanas depois. O edifício, a partir de aí uma mesquita, fica sob a vigilância do Diyanet, o Departamento para os Assuntos Religiosos, a mais alta autoridade religiosa islâmica sunita da Turquia. 
Para tentar travar o projeto do "sultão", o Secretário de Estado americano, Mike Pompeo, interveio politicamente para sublinhar à amiga Turquia – aliada na NATO! – a “inoportunidade" de realizar um ato que complica a já difícil situação do Mediterrâneo oriental. 
A UNESCO, por seu lado, recordou que a inclusão da Ayasofya no Património da Humanidade em 1985 implicava e implica uma série de obrigações: a Turquia tem de se comprometer a preservar o valor cultural excecional do local e nenhuma alteração pode ser feita sem notificação prévia e aprovação por parte do Comité do Património Cultural. Além disso, a UNESCO recorda que a fusão de elementos arquitetónicos asiáticos e europeus – derivada das diferentes ocupações – e, portanto, a singularidade do edifício foram decisivas no momento da inscrição de Santa Sofia na lista do Património da Humanidade. 
Erdogan, contudo, procedeu sem ouvir ninguém. Porquê? Muitos analistas internacionais acreditam que, com a sua decisão, pensou em reconquistar as massas da Turquia profunda, todas muçulmanas e, até 2008, a ele agradecidas pelas reformas económicas que muito as ajudaram. Mas a crise mundial de há 12 anos e outras subsequentes circunstâncias económicas desfavoráveis também levaram a economia turca à crise; e, portanto, os apoiantes do "sultão", embora sempre numerosos, são agora menos e talvez estejam menos convencidos. Assim, segundo Erdogan, o regresso de Ayasofya ao estatuto de mesquita é ação estrondosa para reconquistar a gratidão e o apoio das massas turcas. E a ouverture das celebrações, em 2023, do centenário do nascimento da Turquia. 
No entanto, na frente muçulmana global, ele considera estar a minar ou pelo menos a enfraquecer o papel principal da Arábia Saudita no mundo sunita. É também, a seu jeito, um sinal para os povos de língua turca da antiga União Soviética, também sunitas. O "sultão", em suma, gostaria de vir a ser novo Atatürk, o refundador da Turquia, já não caracterizada, contudo, por uma laicidade muito rígida, mas antes pelo sublinhar público e social do Islão na Turquia, enquanto país muçulmano. 
A acento étnico-religioso – reforçar o islão e, portanto, defender os povos de língua turca que consideram a Turquia como o seu irmão mais velho – poderá ter o seu peso, por exemplo, na escalada da tensão militar, com cerca de 20 mortos, que eclodiu em meados de julho entre a Arménia e o Azerbaijão, devido à antiga disputa por Nagorno-Karabakh, que se arrasta desde 1988, ou seja, desde o tempo da URSS. Esta é uma região autónoma do Azerbaijão, habitada principalmente por arménios, que consideram que são maltratados por Baku. O governo de Yerevan defende-os, pois, também militarmente. Os arménios são cristãos, os azeris muçulmanos. 
Mas voltemos ao plano de Erdogan para Santa Sofia. Tem um obstáculo em particular: Vladimir Putin. O chefe do Kremlin sabe que toda a Igreja Ortodoxa Russa, liderada pelo patriarca Kirill, está furiosa com o líder turco. Ela pressionou o governo de Moscovo a convencer Erdogan para que desistisse do seu plano: o empenho não teve, contudo, resultados. No entanto, há muitos modos de a Rússia punir indiretamente Erdogan pela sua prepotência. Em suma, não está dito que com Ayasofya convertida em mesquita o caminho político de Erdogan seja triunfal. A breve termo, talvez sim, mas a longo? E atrairá a juventude? 

«Uma bofetada em todo o mundo cristão»

Políticos à parte, a "reconversão" de Ayasofya foi um tremendo choque para o mundo cristão, e especialmente para a Ortodoxia, onde o primus inter pares das 14 Igrejas irmãs é o patriarca de Constantinopla, Bartolomeu. Sendo cidadão turco, é particularmente delicado para ele criticar Erdogan; a sua opção – disse – «vai impelir milhões de cristãos em todo o mundo contra o Islão». Em virtude da sua sacralidade, acrescentou, Santa Sofia é um centro de vida «em que o Oriente e o Ocidente se abraçam», e a sua reconversão em lugar de culto muçulmano «será causa de rutura entre estes dois mundos». De facto, no século XXI é «absurdo e prejudicial que Hagia Sophia, de um lugar que agora permite que os dois povos se encontrem e admirem a sua grandeza, possa voltar a ser motivo de contraposição e confronto». 
Durante 900 anos, o palácio dos patriarcas situou-se ao lado de Santa Sofia. Algum tempo depois da conquista turca da cidade, tiveram de se mudar para longe, para o bairro de Fanar, ao longo do Corno de Ouro, onde ainda hoje residem. Aqui, na igreja de São Jorge, minúscula quando comparada com Santa Sofia, está a cátedra de Bartolomeu, que hoje, não só Istambul mas em toda a Turquia, tem cerca de cinco mil fiéis: uma comunidade muito pequena. Os cerca de três milhões de ortodoxos vinculados ao seu patriarcado encontram-se especialmente nas duas Américas e na Europa ocidental. 
Sobre a questão de Santa Sofia, protestou obviamente a Igreja Ortodoxa Grega. Em Atenas, a Ministra da Cultura, Lina Mendoni, definiu a decisão do Conselho de Estado turco «uma provocação ao mundo civilizado». E disse ainda: «O nacionalismo demonstrado pelo presidente Erdogan faz recuar o seu país seis séculos». Opiniões que para Ancara não significam mais do que nada. 
Talvez conte alguma coisa o parecer da Igreja Russa, porque tem Putin por trás. Kirill recebeu a decisão de Erdogan com «grande pesar e dor». O metropolita Hilarion, "ministro dos negócios estrangeiros" do Patriarcado de Moscovo, falou de «bofetada em toda a cristandade»; e o seu adjunto, Nikolai Balashov, de «um acontecimento que poderá ter consequências graves para toda a civilização humana». 

O pesadelo da “autocefalia” ucraniana

Ao protestar contra a decisão de Erdogan, Kirill fez interessantes reflexões sobre o nascimento do cristianismo na Rússia de Kiev. Recordou que o evangelho foi trazido de Constantinopla ao príncipe Vladimir de Kiev: e assim foi batizado em 988, levando (forçando) todo o seu povo a abraçar o cristianismo. E a partir de Kiev – observa o patriarca – essa religião foi introduzida na Rússia. Portanto, as relações entre o patriarcado de Constantinopla e o patriarcado russo sempre foram muito intensas, mesmo se, salienta, «por vezes houve períodos que não foram simples». Palavras enigmáticas, para aqueles que não estão envolvidos nas tensões internas à Ortodoxia, que têm, portanto, de ser traduzidas. 
Referem-se – falando de hoje – à oposição muito séria entre os dois patriarcas por causa da questão ucraniana. Com brevidade: após o colapso da URSS em 1991, a única Igreja ortodoxa do país – um exarcado ligado a Moscovo – dividiu-se em três partes: a Igreja Ortodoxa Ucraniana (IOU), ligada ao Patriarcado Russo e a mais forte em termos de número de fiéis e paróquias; o Patriarcado de Kiev, por fim liderado pelo metropolita Filaret, antigo membro do Santo Sínodo de Moscovo, por este reduzido ao estado laical e excomungado; uma pequena Igreja autocéfala. 
Em 2018, Bartolomeu abençoou um “Concílio de reunificação” (para Moscovo obviamente “ilegal”) que – apoiado pelo então presidente ucraniano Petro Poroshenko – criou a Igreja Ortodoxa da Ucrânia (IODU), autocéfala, na esperança de que todas as outras convergissem para ela. Não foi o caso, e a IOU continua a ser numericamente a maior das Igrejas ucranianas. Em 5 de janeiro de 2019, o patriarca de Constantinopla concedeu o tomos (decreto) de autocefalia à IODU. Em resposta, Kirill e o seu Sínodo confirmaram o que já tinha sido decidido em 2018: a rutura da comunhão eucarística com o Patriarcado de Constantinopla, acusado de interferência no seu «território canónico». Por conseguinte, está agora em curso um cisma entre as duas partes. Um cisma intraortodoxo dramático que dividiu as Igrejas ortodoxas: umas, como a grega e a alexandrina, pró-Bartolomeu e outras, como a sérvia e a jerosolimitana, pró-russas. 
Neste contexto, surgiu inesperadamente a questão de Santa Sofia. Nos comunicados do Patriarcado de Moscovo, duros para com Erdogan, nunca se faz qualquer menção a Bartolomeu, nem ele, em público, agradeceu a Kirill a sua solidariedade. Será que a grande agitação causada pela transformação de Ayasofya em mesquita ajudará pois a segunda Roma (Constantinopla) e a terceira Roma (Moscovo) a chegarem a um compromisso razoável? Neste momento, não está no horizonte. Contudo, é claro para todos que uma Ortodoxia dilacerada não poderá responder adequadamente ao desafio do "sultão".

Francisco: «Estou muito desolado»

O puzzle de Santa Sofia causou grande embaraço ao Vaticano. A Santa Sé tem relações diplomáticas com a Turquia, e existe uma nunciatura em Ancara. Assim, qualquer reação do Vaticano à atual situação escaldante insere-se nesse contexto. Para complicar uma situação já complexa, há um facto: Bergoglio – que, em novembro de 2014, esteve em Ancara e aí foi recebido pelo presidente antes de prosseguir para Istambul – denunciou o “genocídio arménio”. 

A referência diz respeito ao que aconteceu no então Império Otomano, a partir de 24 de abril de 1915, a começar por Constantinopla. Os arménios – e os maiores historiadores internacionais confirmam esta tese – sustentam que os turcos, diretamente ou forçando-os a marchas extenuantes para acabarem em campos miseráveis, mataram quase um milhão e meio de arménios. A historiografia turca e os governos da Turquia moderna sempre rejeitaram esta tese: não houve, dizem, nenhum “genocídio” deliberado decidido pelas autoridades; mas, no clima de dissolução do Império, ocorreram muitos confrontos entre vários grupos rivais: neles, segundo Ancara, morreram 300 mil arménios, mas também pelo menos quatro milhões de muçulmanos. 
Vários parlamentos em todo o mundo reconheceram o “genocídio arménio”: há ainda raros intelectuais e historiadores turcos que o admitem. Mas Erdogan é inflexível no que respeita à negação desta tese, porque ela colocaria uma mancha indelével na honra do exército turco que, na prática, é herdeiro do otomano. Por estes motivos, é bastante delicado para Francisco, intervir na questão de Ayasofya. Por fim, no Angelus de 12 de julho, recordando que aquele domingo coincidia com o Dia Internacional do Mar, ele disse: «E o mar leva-me com o pensamento um pouco mais longe: a Istambul. Penso em Santa Sofia, e estou muito desolado». Nem mais uma palavra. 
A 4 de fevereiro de 2019, Bergoglio foi a Abu Dhabi, onde juntamente com o grande imã de al-Azhar – o maior centro teológico sunita do mundo – assinou um “Pacto pela fraternidade”, sobretudo entre cristãos e muçulmanos, transbordante de esperança para o futuro. O caso Ayasofya, no entanto, infligiu um duríssimo golpe nessas esperanças[1]

Erdogan viola o Corão?

A transformação de Ayasofya abriu um debate intramuçulmano mundial, e intraturco, que não vai terminar em breve: pelo contrário, vai desencadear novos desenvolvimentos. Orhan Pamuk, Prémio Nobel da Literatura (2006), declarou à BBC: «A reconversão em mesquita está a dizer ao resto do mundo que, infelizmente, já não somos laicos. Há milhões de turcos laicos como eu que se opõem a esta transformação, mas a sua voz não é escutada. A nação turca orgulha-se muito de ser a única nação muçulmana laica, e a basílica era um sinal disso mesmo. Agora retiraram este orgulho à nação». 
As sondagens, no entanto, mostram que a maioria dos turcos aprova entusiasticamente a decisão de Erdogan, que, às críticas externas, replica maçado dizendo no essencial: «Quem nos critica opõe-se à independência da Turquia e interfere nos assuntos internos do país». Mas, inevitavelmente, esta “interferência” vai continuar, oriunda também do variado mundo muçulmano global, onde existe uma maioria maciça, mas onde também existe uma minoria significativa, como em Itália. 
Aliás, Izzedine Elzir, conselheira da UCOII, a União das Comunidades Islâmicas em Itália, comentou: «Estamos a assistir a opções mais políticas do que religiosas. O respeito está na base de toda a coexistência civil. Temos a máxima compreensão pelos nossos irmãos cristãos: não é fácil ver um lugar construído como uma igreja a ser usado para outro culto. É por isso que desejamos que Santa Sofia, mesmo que transformada em mesquita, permaneça aberta a qualquer pessoa que a queira visitar». 
Mas não haverá – imaginamos – qualquer dificuldade em visitar a nova “mesquita”. De facto, quase como que para desafiar Santa Sofia, os turcos no século XVII construíram em frente a belíssima mesquita azul, a 300 metros de distância, para que todos pudessem admirar e avaliar a melhor a civilização – a cristã ou a muçulmana – na arquitetura. E esta mesquita pode ser sempre visitada por todos, exceto durante as horas de oração indicadas pelo muezim. E isto complicará os programas dos muitos turistas que querem visitar a teologicamente renovada Ayasofya, na qual, é lícito pensar, serão bem preservados os belos mosaicos bizantinos, talvez cobertos por uma cortina durante a oração. 
No que respeita às reações dos muçulmanos italianos e de outros países, é demasiado cedo para fazer um mapa geral. Dos primeiros testemunhos tem-se a impressão de uma grande variedade: aqueles que em surdina se alegram com o golpe que o Crescente inflige à Cruz; aqueles que ficam prudentemente em silêncio; aqueles que se exprimem de forma equívoca; aqueles que exaltam Erdogan e aqueles que o condenam. Neste momento, parece-nos que a análise mais dessacralizante da decisão de Erdogan é a de Sayyid M. Syeed, Presidente do Board of Directors of the Islamic Society of North America (ISNA), uma associação que tem mais de 300 filiados nos Estados Unidos e no Canadá. 
O dirigente afirma que Mehmet II já tinha violado o livro sagrado do Islão quando decidiu transformar Santa Sofia em mesquita. E, acrescenta, Erdogan comete agora o mesmo erro. Syeed argumenta: «A sura [capítulo] 40, 22 do Corão afirma claramente que é contra o plano de Alá demolir os lugares de culto e transformá-los em algo diferente. O nosso amado Profeta Maomé – a paz esteja com ele! – tinha confirmado que, na guerra, temos de proteger os inimigos desarmados, as suas colheitas e lugares de culto… A transformação de Hagia Sophia numa mesquita reabrirá as feridas dos cristãos ortodoxos gregos e russos e das comunidades cristãs em todo o mundo». 
Depois uma estocada final. Syeed recorda os protestos de Erdogan contra países que toleraram a violência anti-islâmica – talvez se refira aos protestos de Ancara quando, em fevereiro passado, hindus fanáticos em Deli atacaram mesquitas, queimaram-nas e mataram cerca de 20 muçulmanos indianos. E o dirigente do ISNA pergunta-se onde está a coerência do presidente turco que, ao transformar o Ayasofya, poderá desencadear a violência religiosa no mundo. 

Luigi Sandri
15 de julho de 2020 


[1] Nota de tradução: A decisão de transformação de Santa Sofia, para além das reações da Ortodoxia e do Santa Sé, também convergiu num pronunciamento do Conselho Mundial das Igrejas através de uma carta de Ioan Sauca, seu secretário geral interino, ao presidente Erdogan, de 11 de julho, que passamos a transcrever em tradução portuguesa: «Estimado presidente: / Desde que começou a funcionar como museu, em 1934, a igreja de Santa Sofia foi um lugar de abertura, encontro e inspiração para pessoas de todas as nações e credos, e uma poderosa expressão do compromisso da República da Turquia com a secularidade e a inclusão, e do seu desejo de deixar para trás os conflitos do passado. / Hoje, contudo, vejo-me obrigado a transmitir-lhe a dor e a consternação que a sua recente decisão provocou no Conselho Mundial das Igrejas, e nas suas 350 igrejas membros de mais de 110 países, as quais representam mais de 500 milhões de cristãos em todo o mundo. Ao optar por reconverter a igreja de Santa Sofia numa mesquita, reverte esse sinal positivo de abertura da Turquia para a converter num sinal de exclusão e divisão. Lamentavelmente, esta decisão foi tomada também sem notificação prévia à UNESCO e sem abordar com esta as consequências desta transformação no valor universal da basílica, reconhecido pela Convenção do Património Mundial. / Durante muitos anos, o Conselho Mundial das Igrejas desenvolveu grandes esforços para apoiar a participação ativa das suas igrejas membros no diálogo inter-religioso, a fim de estender pontes de respeito mútuo e de cooperação alicerçadas nos valores partilhados entre as diferentes comunidades religiosas. Além disso, em tempos difíceis, o CMI e as suas igrejas membros defenderam e apoiaram os direitos e a integridade de outras comunidades religiosas, entre as quais as comunidades muçulmanas. A decisão de anular a condição de museu de um lugar tão emblemático como a igreja de Santa Sofia e de a reconverter em mesquita criará inevitavelmente incerteza, suspeitas e desconfiança, e minará todos os nossos esforços para reunir pessoas de diferentes religiões em torno da mesa do diálogo e da cooperação. Muito receamos, além disso, que a sua decisão venha a alentar as aspirações de certos grupos em outros lugares que procuram derrubar o status quo existente e promover novas divisões entre as comunidades religiosas. / Senhor presidente, afirmou em múltiplas ocasiões a identidade da Turquia moderna como estado laico, mas ontem revogou um compromisso que, desde 1934, manteve este monumento histórico na qualidade de património comum da humanidade. A fim de promover a compreensão mútua, o respeito e a cooperação, e de evitar alimentar antigas animosidades e divisões, pedimos-lhe urgentemente que reconsidere e reverta a sua decisão. Unimo-nos a Sua Toda Santidade o patriarca ecuménico Bartolomeu na expressão das nossas fervorosas orações e esperanças de que a igreja de Santa Sofia não se converta de novo num foco de confronto e conflito, e se restabeleça a emblemática função unificadora que teve desde 1934. / Atentamente / Rev. Ioan Sauca / Secretário Geral Interino do Conselho Mundial das Igrejas» - A tradução portuguesa foi realizada a partir da versão espanhola publicada pelo Conselho Mundial das Igrejas.