30/04/2017

Martinho Lutero: o Reformador e a sua época

Francisco Ribeiro da Silva
2 de maio de 2017
Centro de Cultura Católica - Porto, 21.00 h.

Martinho Lutero foi um protagonista da História porque iniciou um movimento de reforma religiosa em 1517 que acabou por dividir e separar os cristãos. A separação permanece até aos dias de hoje, com outras dimensões para além da religiosa.
As comemorações dos 500 anos de separação entre Católicos e Protestantes não devem ser feitas senão em perspetiva ecuménica, interessada em buscar caminhos de reaproximação e de reconquista da unidade perdida.
Mas factos são factos. A Reforma luterana, para ser entendida, deve ser situada no seu tempo histórico. Ora o tempo histórico da Reforma, sob o ponto de vista mais geral da civilização europeia, foi um tempo de charneira, de passagem da Idade Media para os tempos Modernos e de início de uma certa globalização. Mudanças profundas causadas por acontecimentos estruturantes como a invenção da imprensa, a descoberta das Américas e do caminho marítimo para a Índia, o início da revolução científica, a queda do Império Bizantino e da conquista de Constantinopla pelos Turcos, o Humanismo e o Renascimento, o dealbar do capitalismo comercial.
Se Martinho Lutero foi o protagonista da Reforma, justifica-se que nos debrucemos sobre ele. Primeiro procuraremos conhecer o juízo que dele foi feito pelos historiadores protestantes e católicos ao longo destes quinhentos anos. Esse juízo vai da mitificação dos admiradores à quase maldição dos detratores. Mas, a partir do séc. XX foi possível um julgamento mais sereno, com base na documentação histórica. A conclusão hoje mais ou menos consensual é que Lutero foi um homem e um monge profundamente religioso e empenhado em encontrar o Deus verdadeiro e em promover a sua glória.
Depois, conheceremos algo mais das circunstâncias de Lutero e perceber por que é que a questão da salvação eterna foi para ele um problema existencial angustiante. Verificaremos que essa questão não foi motivo de ansiedade apenas para ele mas também para o era para as pessoas da sua época, no sentido colectivo mas também das pessoas individualmente consideradas. Estudaremos como é que ele chegou à descoberta do ponto fundamental da sua teologia que é a justificação pela fé, isto é, à certeza de que a salvação de cada um não é merecida pelas obras praticadas, mas é obtida apenas pela graça de Deus, através da fé. E como essa descoberta respondeu e correspondeu aos anseios de muitos.
Mas o sucesso da Reforma não está apenas no sossego espiritual que adveio da «descoberta» de Lutero mas também de outras circunstâncias históricas externas propícias que analisaremos. Como o desenvolvimento da Reforma teve o seu ponto de partida em 1517 e na publicitação das 95 teses sobre o poder e a eficácia das indulgências, daremos alguma atenção a este episódio e ao seu peso na Reforma. Esclareceremos finalmente que a súmula doutrinal de Lutero foi além da justificação pela fé e incluiu a afirmação do sacerdócio universal e a indicação da Bíblia como única fonte da revelação de Deus.

Declaração conjunta de Sua Santidade Francisco e de Sua Santidade Tewandros II (Igreja copta)

1. Nós, Francisco, Bispo de Roma e Papa da Igreja Católica, e Tawadros II, Papa de Alexandria e Patriarca da Sé de São Marcos, no Espírito Santo damos graças a Deus por nos ter concedido a feliz oportunidade de nos encontrarmos mais uma vez, trocarmos o abraço fraterno e juntarmo-nos novamente em oração comum. Damos glória ao Todo-Poderoso pelos laços de fraternidade e amizade existentes entre a Sé de São Pedro e a Sé de São Marcos. O privilégio de estar juntos aqui no Egito é um sinal de que a solidez do nosso relacionamento tem aumentado de ano para ano e de que estamos a crescer na proximidade, na fé e no amor de Cristo nosso Senhor. Damos graças a Deus pelo amado Egito, «terra natal que vive dentro de nós», como costumava dizer Sua Santidade Papa Shenouda III, «povo abençoado pelo Senhor» (cf. Is 19, 25) com a sua antiga civilização dos Faraós, a herança grega e romana, a tradição copta e a presença islâmica. O Egito é o lugar onde a Sagrada Família encontrou refúgio, é terra de mártires e santos.

2. O nosso vínculo profundo de amizade e fraternidade tem a sua origem na plena comunhão que existia entre as nossas Igrejas nos primeiros séculos tendo-se expressado de várias maneiras nos primeiros Concílios Ecuménicos, a começar pelo Concílio de Niceia em 325 e a contribuição de Santo Atanásio, corajoso Padre da Igreja que mereceu o título de «Protetor da Fé». A nossa comunhão manifestava-se através da oração e práticas litúrgicas semelhantes, da veneração dos mesmos mártires e santos, e no fomento e difusão do monaquismo, seguindo o exemplo do grande Santo Antão, conhecido como o pai de todos os monges.
Esta experiência comum de comunhão, anterior ao tempo de separação, assume um significado especial na nossa busca atual do restabelecimento da plena comunhão. A maior parte das relações que existiam nos primeiros séculos continuaram, apesar das divisões, entre a Igreja Católica e a Igreja Copta Ortodoxa até ao dia de hoje e recentemente foram mesmo revitalizadas. Estas desafiam-nos a intensificar os nossos esforços comuns, perseverando na busca duma unidade visível na diversidade, sob a guia do Espírito Santo.

3. Recordamos, com gratidão, o encontro histórico de há quarenta e quatro anos entre os nossos predecessores Papa Paulo VI e Papa Shenouda III, aquele abraço de paz e fraternidade depois de muitos séculos em que os nossos vínculos mútuos de amor não tiveram possibilidade de se expressar devido à distância que se criara entre nós. A Declaração Comum, que eles assinaram em 10 de maio de 1973, representou um marco no caminho ecuménico e serviu como ponto de partida para a instituição da Comissão de Diálogo Teológico entre as nossas duas Igrejas, que produziu muito fruto e abriu o caminho para um diálogo mais amplo entre a Igreja Católica e toda a família das Igrejas Ortodoxas Orientais. Naquela Declaração, as nossas Igrejas reconheceram que, no sulco da tradição apostólica, professam «uma só fé no Deus Uno e Trino» e «a divindade do Unigénito Filho de Deus (...) perfeito Deus, quanto à sua divindade, e perfeito homem quanto à sua humanidade». Reconheceu-se também que «a vida divina é-nos dada e alimentada em nós pelos sete sacramentos» e que «veneramos a Virgem Maria, Mãe da verdadeira Luz», a «Theotókos».

4. Com profunda gratidão, recordamos o encontro fraterno que nós próprios tivemos em Roma, a 10 de maio de 2013, e a instituição do dia 10 de maio como jornada anual em que aprofundamos a amizade e a fraternidade entre as nossas Igrejas. Este renovado espírito de proximidade permitiu-nos discernir ainda melhor como o vínculo que nos une foi recebido de nosso único Senhor no dia do Batismo. Com efeito, é através do Batismo que nos tornamos membros do único Corpo de Cristo que é a Igreja (cf. 1 Cor 12, 13). Esta herança comum é a base da peregrinação que juntos realizamos rumo à plena comunhão, crescendo no amor e na reconciliação.

5. Conscientes de que ainda há tanto caminho a fazer nesta peregrinação, recordamos o muito que já foi alcançado. Em particular, lembramos o encontro entre Papa Shenouda III e São João Paulo II, que veio como peregrino ao Egito durante o Grande Jubileu do ano 2000. Estamos determinados a seguir os seus passos, movidos pelo amor de Cristo Bom Pastor, na convicção profunda de que, caminhando juntos, crescemos em unidade. Para isso auferimos a força de Deus, fonte perfeita de comunhão e de amor.

6. Este amor encontra a sua expressão mais alta na oração comum. Quando os cristãos rezam juntos, chegam a compreender que aquilo que os une é muito maior do que aquilo que os divide. O nosso desejo ardente de unidade encontra inspiração na oração de Cristo «para que todos sejam um só» (Jo 17, 21). Para isso aprofundemos as raízes que compartilhamos na única fé apostólica, rezando juntos e procurando traduções comuns do Pai Nosso e uma data comum para a celebração da Páscoa.

7. Enquanto caminhamos para o dia abençoado em que finalmente nos reuniremos à mesma Mesa Eucarística, podemos colaborar em muitas áreas e tornar tangível a grande riqueza que já temos em comum. Podemos testemunhar juntos certos valores fundamentais como a sacralidade e dignidade da vida humana, a sacralidade do matrimónio e da família, e o respeito por toda a criação, que Deus nos confiou. Não obstante a multiplicidade de desafios contemporâneos, como a secularização e a globalização da indiferença, somos chamados a oferecer uma resposta compartilhada baseada nos valores do Evangelho e nos tesouros das nossas respetivas tradições. Nesta linha, somos encorajados a aprofundar o estudo dos Padres Orientais e Latinos e promover um frutuoso intercâmbio na vida pastoral, especialmente na catequese e num mútuo enriquecimento espiritual entre comunidades monásticas e religiosas.

8. O testemunho cristão que compartilhamos é um sinal providencial de reconciliação e esperança para a sociedade egípcia e suas instituições, uma semente semeada para frutificar na justiça e na paz. Uma vez que acreditamos que todos os seres humanos são criados à imagem de Deus, esforcemo-nos por promover a tranquilidade e a concórdia através duma coexistência pacífica entre cristãos e muçulmanos, testemunhando assim que Deus deseja a unidade e a harmonia de toda a família humana e a igual dignidade de cada ser humano. Temos a peito a prosperidade e o futuro do Egito. Todos os membros da sociedade têm o direito e o dever de participar plenamente na vida do país, gozando de plena e igual cidadania e colaborando para construir a sua nação. A liberdade religiosa, que engloba a liberdade de consciência e está enraizada na dignidade da pessoa, é a pedra angular de todas as outras liberdades. É um direito sagrado e inalienável.

9. Intensifiquemos a nossa oração incessante por todos os cristãos no Egito e em todo o mundo, especialmente no Médio Oriente. Alguns acontecimentos trágicos e o sangue derramado pelos nossos fiéis, perseguidos e mortos unicamente pelo motivo de ser cristãos, recordam-nos ainda mais que o ecumenismo dos mártires nos une e encoraja no caminho da paz e da reconciliação. Pois, como escreve São Paulo, «se um membro sofre, com ele sofrem todos os membros» (1 Cor 12, 26).

10. O mistério de Jesus, que morreu e ressuscitou por amor, situa-se no coração do nosso caminho para a plena unidade. Mais uma vez, os mártires são os nossos guias. Na Igreja primitiva, o sangue dos mártires foi semente de novos cristãos; assim também, em nossos dias, o sangue de tantos mártires seja semente de unidade entre todos os discípulos de Cristo, sinal e instrumento de comunhão e de paz para o mundo.

11. Obedientes à ação do Espírito Santo, que santifica a Igreja, a sustenta ao longo dos séculos e conduz àquela unidade plena pela qual Cristo rezou,

hoje nós, Papa Francisco e Papa Tawadros II, para alegrar o coração do Senhor Jesus bem como os corações dos nossos filhos e filhas na fé, declaramos mutuamente que, com uma só mente e coração, procuraremos sinceramente não repetir o Batismo administrado numa das nossas Igrejas a alguém que deseje juntar-se à outra. Isto confessamos em obediência às Sagradas Escrituras e à fé expressa nos três Concílios Ecuménicos reunidos em Niceia, Constantinopla e Éfeso.
Pedimos a Deus nosso Pai que nos guie, nos tempos e modos que o Espírito Santo dispuser, para a unidade plena no Corpo místico de Cristo.

12. Concluindo, deixemo-nos guiar pelos ensinamentos e o exemplo do apóstolo Paulo, que escreve: «[Esforçai-vos] por manter a unidade do Espírito, mediante o vínculo da paz. Há um só corpo e um só Espírito, assim como a vossa vocação vos chamou a uma só esperança; um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, que reina sobre todos, age por todos e permanece em todos» (Ef 4, 3-6).

Cairo, 28 de abril de 2017

14/04/2017

Esforços rumo a uma data comum para a Páscoa: uma situação sem esperança?

Este ano os cristãos têm uma ocasião excecional para manifestarem a sua unidade ao celebrarem a ressurreição de Jesus Cristo na mesma data. Mas isto não voltará acontecer até 2025, se as Igrejas continuarem a seguir cada uma o seu modo tradicional de calcularem a data da Páscoa.
Parece um paradoxo: todas as Igrejas concordam em celebrar a Páscoa no primeiro domingo após a primeira lua cheia do equinócio de março [1], mas há normalmente duas datas diferentes para esta celebração. A razão da contradição é que, após a introdução deste critério, as Igrejas do ocidente adotaram maioritariamente o calendário gregoriano, enquanto as ortodoxas mantiveram o calendário juliano para determinarem a data da lua cheia [2].
Este problema foi percebido como tal sobretudo no século XX. A questão investiu particularmente contra a Igreja ortodoxa, quando em 1923 o Parlamento grego introduziu o calendário gregoriano, dando início a um conflito entre a Igreja e o Estado [3]. Um congresso pan-ortodoxo de maio de 1923 decidiu, por isso, rever o calendário juliano adaptando-o a uma maior exatidão astronómica. Mas resultaram roturas na Igreja grega, na romena e em outras. Hoje, no mundo ortodoxo, a situação geral é que para a data da Páscoa todas as Igrejas usam o calendário juliano (com exceção da Igreja da Finlândia, que segue o gregoriano), enquanto para todas as outras festas, algumas Igrejas – em particular as de língua grega e a romena – usam o calendário gregoriano.
Com a crescente mobilidade das pessoas e a gradual interconexão entre nações e países, em razão do comércio e dos negócios que os novos meios de transporte e de comunicação tornaram possíveis, começou a advertir-se também no âmbito civil a exigência de uma regulamentação mais clara da data da Páscoa. A sua irregularidade e mobilidade anual criavam desvantagens sobretudo ao nível de compensações financeiras. Por isso, em 1923 a Sociedade das Nações avançou com a proposta de fixar, depois de acordo com as Igrejas, a Páscoa no domingo seguinte ao segundo sábado de abril. Assim a matéria foi objeto de discussão do incipiente movimento ecuménico, com o envolvimento da Comissão cristã universal Vida e Ação. Em resultado da consulta, a maior parte das Igrejas protestantes concordaram com um domingo fixo para a data da Páscoa e o Patriarcado ecuménico também se mostrou aberto a tal proposta (com a condição de que todas as Igrejas estivessem de acordo), mas Roma deu uma resposta negativa. Toda a iniciativa daquela que entretanto se tornou a ONU fracassou definitivamente em 1955 com a recusa do governo dos EUA em adotar um novo calendário.
Em 1964 a situação no interior das Igrejas mudou, na medida em que a Igreja católica, no decreto conciliar Orientalium ecclesiarum (§ 20) afirmou a sua disponibilidade para uma data comum, tanto fixa como móvel, desde que todas as Igrejas partilhassem a solução. Noutra consulta, encetada pelo Conselho ecuménico das Igrejas no seguimento desta mudança de atitude, a maioria das Igrejas ocidentais mostrou preferência por uma data fixa, enquanto para as Igrejas ortodoxas continuou a ser importante a observância da regra de Niceia.
Em 1977 a Igreja católica encetou uma iniciativa de entendimento com o Conselho ecuménico das Igrejas que conduziu a outro inquérito com um resultado idêntico ao precedente. Os ortodoxos afirmaram também claramente que uma decisão sobre semelhante questão só poderia ser tomada a nível pan-ortodoxo. Assim discutiram o assunto durante os trabalhos preparatórios do Concílio pan-ortodoxo. A segunda conferência pan-ortodoxa pré-conciliar propôs, por isso, em 1982 em Chambésy, uma mais precisa definição da data da Páscoa segundo a regra de Niceia. Mas exprimiu também o receio de que uma mudança de calendário provocasse novos cismas. Por isso, considerou-se que o momento não era apropriado para semelhante mudança.
Entre as Igrejas ortodoxas orientais havia maior abertura para a mudança: em 1971 a Igreja siro-ortodoxa propôs que se fixasse a data da Páscoa no domingo seguinte ao segundo sábado de abril e em 1984 declarou a sua própria disponibilidade para celebrar a Páscoa em qualquer domingo de abril, com a condição de que todas as Igrejas estivessem de acordo.
A questão regressou, em seguida, ao Conselho ecuménico das Igrejas. A iniciativa de maior importância foi uma consulta em 1997 em Aleppo, organizada pelo secretariado da Comissão Fé e Constituição a convite do metropolita siro-ortodoxo Gregorios Yohanna Ibrahim. A consulta propôs que se mantivesse a regra de Niceia, mas usando os dados astronómicos mais precisos (nem o calendário gregoriano nem o juliano e os seus respetivos ciclos pascais), tendo por base o meridiano geográfico de Jerusalém. A proposta foi enviada às Igrejas para que a examinassem. O resultado foi que as Igrejas do ocidente estiveram de acordo, enquanto as Igrejas ortodoxas acharam difícil aceitar a proposta, na medida em que os dados astronómicos precisos estabeleceriam um calendário demasiado próximo do gregoriano. A mudança seria, pois, tão substancial que não poderia ser aceite pelos fiéis.
Na sua IX Assembleia geral de 2006 em Porto Alegre (Brasil), o Conselho ecuménico das Igrejas reafirmou que uma data comum para a Páscoa seria parte do progresso rumo à unidade visível dos cristãos, mas não assumiu nenhuma iniciativa.
A questão só reemergiu recentemente, quando em 2014 Tawadros II, papa da Igreja copto-ortodoxa, pediu ao papa Francisco que realizasse um novo esforço para uma data unificada da Páscoa e discutiu o assunto também com o Patriarca ecuménico. Em maio de 2015, Tawadros deu mais um passo, propondo que se fixasse a Páscoa no terceiro domingo de abril. Um mês depois o papa Francisco expressou desejo de estabelecer uma data comum para a Páscoa e reafirmou a disponibilidade da Igreja católica no que respeita a uma data fixa. O papa ainda discutiu isto com o Patriarca siro-ortodoxo, que também pareceu pronto para tal solução. Mas uma declaração de um porta-voz do Patriarcado de Moscovo esclareceu logo que a Igreja ortodoxa russa não abandonaria a regra de Niceia e não aceitaria uma data fixa: convidava antes católicos e protestantes a adotarem o calendário juliano. Em janeiro de 2016, o arcebispo de Cantuária declarou que vislumbrava a possibilidade de um acordo sobre uma data fixa para a Páscoa no espaço «de cinco a dez anos».
Se se analisar o conjunto da discussão, a situação pode ser sintetizada em duas orientações: as Igrejas ocidentais e as ortodoxas orientais estão dispostas a uma data para a Páscoa fixada num determinado domingo de abril; as Igrejas ortodoxas têm intenção de manter a data móvel segundo as regras de Niceia. Isto levanta a questão de se será alguma vez possível encontrar uma data comum. Para avançar nestas reflexões, toda a questão precisa de ser vista mais em detalhe. Um ponto importante para os ortodoxos é um ulterior critério ligado às decisões do concílio de Niceia: a Páscoa não pode ser celebrada em concomitância com a judaica. Esta regra foi interpretada de vários modos e impede ulteriormente a abertura à mudança [4]. Mas o problema principal para os ortodoxos parece ser concretamente o receio de divisões no interior das Igrejas ortodoxas. E esta preocupação tem de ser levada a sério.
Concluindo, parece claro que deslocar a data da Páscoa para um dia fixo (um domingo de abril) seria uma mudança radical, porque pelo menos durante 1500 anos a Páscoa sempre foi celebrada num domingo móvel, tendo por base o equinócio e a lua cheia. Uma mudança semelhante romperia também com a tradição de indicar uma ligação com a Páscoa judaica, mantendo ao mesmo tempo uma clara distinção entre as duas. Uma data fixa num domingo específico de abril seria uma solução pragmática, em linha com a tendência atual de organizar a vida tendo por base as necessidades determinadas pela sociedade civil. Mas a discussão também tem mostrado que esta solução dificilmente poderá ser aceite por todas as Igrejas.
A meu ver, a única solução com possibilidades realistas de sucesso – mas que nunca foi tida em consideração a nível mundial – passaria por todas as Igrejas se unirem ao método ortodoxo de fixarem a data da Páscoa, usando o calendário juliano. Esta proposta não é nova: é praticada a nível local no Egito e na Jordânia, onde – seguindo uma indicação do Conselho das Igrejas do Médio Oriente de 1994 [5] – as Igrejas ocidentais decidiram seguir a maioria ortodoxa. Esta solução permite seguir a regra de Niceia que atualmente une todas as Igrejas cristãs e tem em consideração tanto a ligação entre a Páscoa e o ciclo da natureza como o seu significado simbólico vinculado à impressionante irrupção da ressurreição no habitual fluxo dos acontecimentos naturais. A desvantagem consistiria no facto de que o equinócio e a lua cheia astronómicos, e portanto reais, não seriam respeitados, mesmo se simbolicamente tidos em consideração. A partir do momento em que as Igrejas ocidentais estão dispostas inclusivamente a renunciarem à regra de Niceia, poderiam antes renunciar – por amor à unidade – à ideia de seguir a precisão astronómica.

Dagmar Heller, para a Finestra Ecumenica do Mosteiro de Bose
Teóloga luterana, docente de Teologia ecuménica no Instituto Ecuménico de Bossey (Suíça)




[1] Uma regra que a tradição interpreta como decisão do concílio de Niceia de 325, mesmo se daquele concílio não temos documentos oficiais a esse respeito.
[2] Maiores detalhes no meu artigo “The Date of Easter – A Church Dividing issue?”, in Ecumenical Review 48/1996, 392-400..
[3] Enquanto noutros países de maioria ortodoxa os cristãos estavam habituados a terem dois calendários – um para o âmbito secular e outro para a vida eclesial – na Grécia a população estava acostumada a que o calendário civil fosse idêntico ao eclesiástico.
[4] A dificuldade consiste em saber se este conceito deve ser entendido em relação à data da Páscoa no tempo de Jesus ou em relação à atual data de Pesach, determinada por modalidades ligeiramente diferentes relativamente aos tempos de Jesus.
[5] Memorandum “Uma data unificada para a Páscoa”, V Assembleia do MECC, 15-21 de novembro de 1994, Limassol, Chipre.