29/08/2020

Jardineiros no jardim de Deus

Nota pastoral do Bispo do Porto


De 1 de setembro, início do ano pastoral e escolar, a 4 de outubro, memória litúrgica de São Francisco de Assis, Patrono da Ecologia, a Igreja Católica e as Igrejas Irmãs Evangélicas colocam como sua referência especial a ligação à “Casa comum”, ou seja, à natureza, sem a qual pessoas, animais, plantas e outros seres não poderíamos sobreviver. Numa dupla perspetiva: como dimensão ética que nos obriga a específicos comportamentos respeitosos para com esta grande e bela obra de um Deus que nos oferece semelhante dádiva; e como fonte de espiritualidade, pois a contemplação da beleza da criatura ajuda-nos a admirar e amar mais o seu Criador.
Desde que o Papa Francisco nos alertou para a urgência de novas atitudes para com a natureza, com a publicação da encíclica Laudato si', esta celebração universalizou-se e passou a entrar, mais autenticamente, no rol das nossas preocupações e vivências eclesiais. Como é sabido, para assinalar o quinto aniversário desta encíclica dedicada a uma temática absolutamente nova, o Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral, da Santa Sé, anunciou um ano celebrativo especial, de 24 de maio de 2020 a 24 de maio de 2021. Está a decorrer, embora o contexto de pandemia acabasse por ofuscar muitas ações que poderiam constituir grandes e motivadoras notícias.
Na Diocese do Porto, evidentemente, o tema também deu entrada no nosso Plano Pastoral. Nas “Emergências pastorais” refere-se, no nº 13, a necessidade do alargamento do «horizonte do nosso cuidado pela Casa Comum», aliás, um dos quatro “objetivos” para o ano de 2020/21, assim especificado: «Assumir a vocação de que Deus Pai e Criador nos confiou de guardiões da obra de Deus, como parte essencial de uma vida cristã virtuosa; acolher criativamente as propostas do Ano Laudato Si'.
Por tudo isto, convido amigavelmente os Sacerdotes e Diáconos, os Institutos Religiosos e Seculares, as Associações, Movimentos e Obras e todo o Povo de Deus, mormente por intermédio dos seus organismos mais representativos – escolas, universidades, hospitais, empresas, famílias, comunicação social, administração, autarquias, associações culturais e desportivas, artistas, etc. – a celebrarmos este tempo da Criação com ações de sensibilização ambiental, reflexão sobre a interligação da pessoa com a natureza e, se possível, com a oração de louvor pela magnífica oferta que o Criador nos concedeu.
Não faltam materiais para nos ajudar nesta vivência. Refiro, especialmente, os provenientes do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral  (www.sowinghopefortheplanet.org/files/shftp_uploads/2020/6/Laudato_Si_Portuguese_compressed.pdf) ou da Comissão Ecuménica (seasonofcreation.org/pt/about-pt). A nível local, entre nós, a Comissão Diocesana para o Ecumenismo (ecumenismodioceseporto.blogspot.com) já publicou válidas achegas. O nosso Secretariado Diocesano do Ensino da Igreja nas Escolas, a quem confiei a tarefa da mobilização em favor da “Casa comum”, pretende viver o ano escolar à base deste slogan, jogando com as iniciais da sigla: «Dá cá mais 5 c’s: Crescer na Consciência do Cuidado da Casa Comum». Creio que, com esta ou outra formulação, este desiderato deveria constituir uma preocupação de toda a Igreja diocesana.
E rezemos: «Senhor da Vida, durante este Tempo da Criação pedimos que nos deis coragem para guardar o shabat do nosso planeta. Fortalecei-nos com a fé para acreditarmos na Vossa providência. Inspirai-nos com a criatividade para compartilharmos aquilo que recebemos. Ensinai-nos a satisfazer-nos com aquilo que é suficiente. E enquanto proclamamos um Jubileu pela terra, enviai o Vosso Espírito a renovar a face da criação. Nós Vo-lo pedimos em nome de Jesus Cristo que veio proclamar a boa-nova para toda a criação».

Porto, 27 de agosto de 2020

+ Manuel, Bispo do Porto

25/08/2020

Tempo da Criação 2020

O que é?


O Tempo da Criação é um tempo para renovar a nossa relação com o Criador e toda a criação através da celebração, da conversão e do compromisso conjunto. Durante o Tempo da Criação, unimo-nos às nossas irmãs e irmãos da família ecuménica em oração e ação pela nossa casa comum.
O Patriarca Ecuménico Dimitrios I proclamou o 1 de setembro como dia de oração pela criação para os ortodoxos em 1989. De facto, o ano litúrgico da Igreja Ortodoxa começa nesse dia com a comemoração do modo como Deus criou o mundo.
O Conselho Mundial de Igrejas foi chave para transformar esta iniciativa num Tempo, estendendo a celebração do dia 1 de setembro a 4 de outubro.
Seguindo Patriarca Ecuménico Dimitrios I e o CMI, os cristãos de todo o mundo abraçaram este Tempo como parte do seu calendário anual. O Papa Francisco integrou oficialmente este Tempo na Igreja Católica Romana em 2015.
Nos últimos anos, declarações de líderes religiosos de todo o mundo também encorajaram os fiéis a dedicarem tempo para cuidar da criação durante este mês de celebração.
O Tempo começa a 1 de setembro, Dia Mundial de Oração pela Criação, e termina no dia 4 de outubro, Festa de São Francisco de Assis, santo padroeiro da ecologia estimado por tantas denominações cristãs.
Durante um mês de celebração, os 2,2 biliões de cristãos do mundo unem-se pelo cuidado da nossa casa comum.


O tema de 2020: «Jubileu pela terra: Novos ritmos, nova esperança»


Todos os anos o Comité diretivo ecuménico sugere um tema para unificar as comunidades cristãs na celebração deste tempo. Para o Tempo da Criação de 2020, o tema sugerido é: «Jubileu pela terra: Novos ritmos, nova esperança».
Neste ano, as crises que abalaram o mundo despertaram-nos para a necessidade urgente de curar as nossas relações com a criação e uns com os outros. Durante a celebração deste ano, entramos num tempo de restauração e esperança, um jubileu pela terra que exige maneiras radicalmente novas de viver com a criação.
Os cristãos de todo o mundo vão aproveitar este tempo para renovarem a sua relação com o Criador e toda a criação através da celebração, da conversão e do compromisso. O Tempo da Criação deste ano é um tempo para considerar a relação integral entre o descanso da terra e a maneira ecológica, económica, social e política de se viver.
Neste ano em particular, os amplos efeitos da pandemia global da COVID-19 revelaram a necessidade de sistemas sustentáveis e justos. Ansiamos pela imaginação ética que acompanha o Jubileu. Como seguidores de Cristo em todo o mundo, compartilhamos o papel de guardiões da criação de Deus. Percebemos que nosso bem-estar está interligado com o bem-estar da criação. Alegramo-nos com esta oportunidade de cuidar da nossa casa comum e das nossas irmãs e irmãos.


Carta do secretário do Dicastério para a promoção do desenvolvimento humano integral (Igreja católica romana)


24 de maio de 2020
Irmãos e irmãs em Cristo,
Saudações pascais a partir de Roma. Durante o Ano Especial de Aniversário da Laudato si', o Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral tem o prazer de vos convidar a juntarem-se à família ecuménica na celebração do Tempo da Criação, a celebração anual que se realiza de 1 de setembro, Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, a 4 de outubro, Festa de São Francisco de Assis.
No ano passado, o Santo Padre o Papa Francisco convidou oficialmente os fiéis a participarem neste «tempo de oração e esforço acrescidos em nome da nossa casa comum». Como disse o Santo Padre, «este é o tempo de deixar que a nossa oração seja de novo inspirada», um tempo «para refletir sobre os nossos estilos de vida» e um tempo «para empreender ações proféticas... apelando a decisões corajosas... dirigindo o planeta para a vida, não para a morte».
A mensagem do Papa Francisco, que nos chama a atender às «imensas dificuldades para os que entre nós se encontram mais vulneráveis», é particularmente relevante à luz da pandemia do coronavírus. À medida que o mundo experimenta uma incerteza e um sofrimento profundos no meio de uma situação de emergência global, somos chamados a reconhecer que uma recuperação verdadeiramente saudável consiste em ver que «tudo está ligado» e reparar os laços que quebrámos. Compreendemos que precisamos de crescer cada vez mais em solidariedade e de cuidar uns dos outros em fraternidade.
Inspirados pela exortação apostólica Querida Amazónia, encorajamos o povo de Deus a intensificar os seus passos rumo a novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral, planeando atividades para o Tempo da Criação. Estas podem incluir atividades tais como uma missa especial ou uma peregrinação, práticas de sustentabilidade ou iniciativas de sensibilização para responder ao «grito da terra e ao grito dos pobres», a terem lugar durante este tempo especial.
Encorajamos também os bispos e os organismos eclesiais a fazerem intervenções de sensibilização sobre o Tempo da Criação, ajudando os fiéis a perceberem que «viver a nossa vocação de protetores da obra das mãos de Deus é essencial para uma vida virtuosa; não é um elemento opcional ou secundário da nossa experiência cristã" (Laudato si' 217).
Este tempo especial oferece-nos a oportunidade de trabalhar pela renovação da nossa terra e das relações preciosas que partilhamos, e convido-vos calorosamente a participar na sua comemoração. Rezo por vós e peço-vos que rezeis por mim.
Respeitosamente vosso em Cristo,

Monsenhor Bruno-Marie Duffé
Secretário, Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral


Oração


Criador da vida,
À vossa palavra a terra produziu plantas, contendo sementes e árvores de todos os tipos que produzem frutos. Os rios, as montanhas, os minerais, os mares e as florestas sustentaram a vida. Todos os olhos se voltaram para Vós, para satisfazerdes as necessidades de todos os seres vivos. E ao longo do tempo a terra sustentou a vida. Ao longo dos ciclos planetários dos dias e estações, de renovação e crescimento, abris a Vossa mão para dar às criaturas o alimento no momento devido.
Na Vossa sabedoria nos concedestes o shabat; um tempo abençoado para o descanso na gratidão por tudo o que nos destes; um tempo para nos livrarmos do consumo viciante; um tempo para permitir que a terra e todas as criaturas descansem do peso da produção. Mas ultimamente a nossa vida força o planeta para além dos seus limites. As nossas exigências de crescimento e o nosso ciclo de produção e consumo sem fim estão a exaurir o nosso mundo. As florestas estão a ser destruídas, o solo a erodir, os campos a morrer, os desertos a aumentar, os mares a acidificar e as tempestades a crescer. Não temos permitido que as terras guardem o seu shabat, e a terra está a lutar para ser renovada.
Durante este Tempo da Criação pedimos que nos deis coragem para guardar o shabat do nosso planeta. Fortalecei-nos com a fé para acreditarmos na Vossa providência. Inspirai-nos a criatividade para compartilharmos aquilo que recebemos. Ensinai-nos a satisfazer-nos com aquilo que é suficiente. E enquanto proclamamos um Jubileu pela terra, enviai o Vosso Espírito a renovar a face da criação.
Nós Vo-lo pedimos em nome de Jesus Cristo que veio proclamar a boa-nova para toda a criação.
Amém.


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22/08/2020

Ortodoxia bielorrussa: Minsk como Kiev?

O presidente Lukashenko e o metropolita Pavel de Minsk
O presidente Lukashenko e o metropolita Pavel
As tensões políticas na Bielorrússia no rescaldo das disputadas eleições presidenciais repercutem-se também na Igreja. A desejada democracia nacional levanta a questão do futuro da Igreja ortodoxa local (mais de metade dos nove milhões e meio de habitantes) e da sua autonomia em relação ao patriarcado de Moscovo (do qual hoje depende).
Um profundo conhecedor da situação escreveu:
«O patriarca Cirilo partilha com Putin a mesma preocupação.Se as coisas mudarem e a ditadura bielorrussa afrouxar, a Igreja ortodoxa bielorrussa começará a trabalhar pela sua própria autocefalia (independência) relativamente a Moscovo, reforçando tendências semelhantes em todos os estados maioritários islâmicos ligados ao Kremlin. Minsk não é Kiev, mas o impulso de cariz nacional também atravessa o país báltico. Não foi por acaso que Cirilo e o metropolitano bielorrusso Pavel foram os primeiros a congratularem-se (10 de agosto) com os resultados da consulta que atribuíam oitenta por cento dos votos a Lukashenko e, só passados alguns dias, emendaram a mão. A 15 de agosto, o sínodo condenou violências, detenções e extremismos, apelando a que se encontrem soluções políticas. E imediatamente a seguir, Cirilo expressou-se do mesmo modo».


Pedido crescente de autocefalia


O Metropolita Epifânio, chefe da Igreja ortodoxa autocefala da Ucrânia, publicou a 12 de agosto uma mensagem que tocava o âmago da questão. Escrevendo em ucraniano e bielorrusso e postando a imagem da bandeira branca e vermelha (dos manifestantes, diferente da oficial), convidou a Igreja ortodoxa local a romper a ligação a Moscovo:
«Por estes dias o povo bielorrusso está a sofrer muito... A anexação não canónica da sua Igreja por parte de Moscovo tem tido e continua a ter consequências trágicas para a Ortodoxia em toda a Europa oriental. Com a vontade dos fiéis e a bênção da nossa Igreja mãe comum, o patriarcado ecuménico de Constantinopla, a Igreja da Ucrânia foi reconhecida como uma das Igrejas irmãs autocéfalas. A Igreja ortodoxa da Bielorrússia tem as mesmas razões e o direito de pedir um tomo (documento) de autocefalia à Igreja mãe, se assim o desejar».
Lukashenko, que tem hoje o maior apoio em Putin e conta com a identidade russa de uma grande parte da população, acusou a oposição, numa reunião com o Conselho de segurança do país, de querer excluir a Rússia da cooperação económica, militar, linguística e religiosa. A nível eclesial, o "pai e senhor" do país acusou a oposição de pretender a restauração da Igreja autocéfala, em oposição ao patriarcado de Moscovo. E disse: "Sempre nos orgulhámos da paz inter-religiosa do país. Nunca ninguém perturba um crente. Ortodoxos, católicos, muçulmanos e judeus vivem em paz. Agora somos impelidos para uma guerra que é um conflito inter-religioso e, dada a situação, também um conflito étnico. Isto acontecerá para erradicar e desonrar as coisas de que nos orgulhamos".
O metropolita Pavel, que é de etnia russa, tentou recuperar a simpatia dos manifestantes, entre os quais muitos ortodoxos, visitando as vítimas no hospital e manifestando o desejo de uma investigação rigorosa dos delitos cometidos durante as recentes ações de protesto. Seguiu a posição mais explicitamente pró-manifestantes do metropolita católico Tadeusz Kondrusiewicz, que apelou à libertação imediata dos detidos nas recentes manifestações populares. Como bom polaco Kondrusiewicz, propõe uma mesa redonda que ponha em diálogo o poder político com os representantes da sociedade: uma proposta sugestiva para todos e, em particular, para a população católica (15%) das zonas ocidentais do país.


A ligação a Moscovo


Mas os laços étnico-culturais da Bielorrússia com Moscovo são muito mais fortes do que os da Ucrânia e o "socialismo de mercado" proposto por Lukashenko vê um próspero sector público (60% do PIB) a funcionar graças aos subsídios diretos e indiretos da Rússia. Os salários são muito baixos, mas os sistemas de saúde e de educação, assim como as infraestruturas, são de bom nível.
Como recorda o perito acima mencionado:
«Moscovo sabia que mais tarde ou mais cedo teria de enfrentar acontecimentos semelhantes. Depois de perder a Ucrânia (apesar da reocupação forçada da Crimeia), não podia dar-se ao luxo de perder a Bielorrússia. Seria um golpe mortal para o projeto político-cultural do mir Ruskj, daquela mundividência russa chamada a restituir alento e substância ao grande império soviético do passado, do qual é parte essencial a ligação das Igrejas à Ortodoxia moscovita. Não acredito que Moscovo recorra à intervenção militar ou que deixe o desenvolvimento à lógica autónoma dos acontecimentos. A próxima administração bielorrussa não pode deixar de permanecer de alguma forma alinhada com Moscovo. Muito provavelmente Putin fará pressão para oferecer a Lukashenko uma saída honrosa a fim de garantir uma sucessão não hostil do poder em Minsk».

Lorenzo Prezzi
21 de agosto de 2020