31/12/2016

Natal: das trevas à luz

O ecumenismo edifica-se também pelo conhecimento recíproco do património teológico e espiritual das várias Igrejas cristãs. Em plena oitava do Natal, divulgamos, em tradução portuguesa, uma meditação sobre a encarnação oriunda da Igreja copta, da pena de Matta el Meskin (1919-2006), padre espiritual do Mosteiro de São Macário no Egito, uma figura luminosa do monaquismo egípcio contemporâneo.

Belém pôs fim aos sofrimentos dos homens. O passado é passado e o presente está cheio de céu. Deus apareceu na carne, a carne da humanidade. Assumiu a nossa natureza humana completamente, totalmente, com toda a sua emotividade, sensibilidade, com os seus sentimentos, com as suas debilidades, com a única exceção do pecado. Ele assumiu a nossa carne para poder revelar, através dela, toda a sua riqueza (cf. Fil 4, 19). Fez-se homem para nos revelar, por meio da carne, todo o seu amor.
Por isso, hoje a nossa festa é a festa da recuperação pelo homem da imagem, duma maneira absolutamente única. Esta festa celebra o regresso da dignidade e da glória da humanidade em Jesus Cristo. Considero, pois, que esta festa tem de ser vivida superando as nossas debilidades. Se nos deixarmos dominar por elas não conseguiremos chegar àquele banho de alegria anunciada pelo anjo: «Anuncio-vos uma grande alegria» (Lc 2, 10). A alegria do céu pode ser contrariada? O pecado pode sufocá-la? Impossível! É por isso que vos peço e suplico a Deus que possamos gozar desta festa para lá das nossas debilidades, angústias, para lá da nossa inveja, de toda a vaidade e corrupção causadas pela riqueza. Temos de entrar no Natal sem o peso do pecado passado. Todas as nossas paixões e as nossas ânsias têm de ser superadas, mesmo que seja por um momento, para que possamos receber, em tudo e para tudo, a porção que nos respeita neste Natal, readquirir a nossa imagem em Cristo, a nossa glória e a nossa dignidade em Cristo…
Caro amigo, se crês que perdeste as melhores qualidades humanas – pureza, santidade, sinceridade, qualquer coisa – por debilidade, ignorância, incredulidade, preguiça, sentimento de impotência, de inferioridade – este sentido de impotência e inferioridade que domina sobre toda a geração atual no mundo, de tal forma que os homens esmagados por este sentimento, arrastam-se atrás dos seus pecados e levam-nos para casa, para o trabalho, para o autocarro e talvez mesmo para a Igreja – peço-te, amigo, que esqueças o passado, mesmo se faz mal até este momento. Abandona tudo isto hoje e neste preciso instante. Por amor daquele que nasceu em Belém, vem comigo atirar para trás das costas o passado e o peso do tempo e vamos encontrar Cristo, que nos espera de braços abertos. Cristo não nasceu em Belém para fazer uma breve visita à terra e ir embora. Não foi um viandante de passagem. É o Filho de Deus, que assumiu a carne, de que nunca mais se despojará. Assumiu-nos, caríssimos. Assumiu em si a humanidade e uniu-se a ela numa união completa e perfeita.
Tudo o que é próprio da divindade e tudo o que é próprio da humanidade uniram-se numa única natureza, e esta unidade anulou toda a debilidade humana sem destruir a própria humanidade ou alguma das suas peculiaridades… Em si Cristo destruiu toda a impotência e a debilidade humana sem anular a humanidade. Hoje temos um encontro, caríssimos. Vinde, entremos, encontraremos Cristo pronto para destruir nas nossas profundezas toda a debilidade, todo o pecado, toda a transgressão, não importa a sua gravidade. Então, em Cristo, encontraremos sempre e ininterruptamente Deus, numa união indivisível.
Caríssimos, esta tarde temos um encontro. Encontramo-nos no Espírito em Belém, onde Deus desvelou os abismos mais profundos do seu amor e da sua generosidade, da sua doçura e da ternura para com os pecadores, para lhes tirar das costas o peso do pecado. Assim já não viveremos em lamentações como as de Jeremias, ou em salmos de lamentação, e na angústia de Job, mas na alegria como a dos pastores, numa relação eterna com Cristo.

Matta el Meskin
L’umanità di Dio. Meditazioni ull’incarnazione,
Bose: Quiqajon, 2015.