14/04/2017

Esforços rumo a uma data comum para a Páscoa: uma situação sem esperança?

Este ano os cristãos têm uma ocasião excecional para manifestarem a sua unidade ao celebrarem a ressurreição de Jesus Cristo na mesma data. Mas isto não voltará acontecer até 2025, se as Igrejas continuarem a seguir cada uma o seu modo tradicional de calcularem a data da Páscoa.
Parece um paradoxo: todas as Igrejas concordam em celebrar a Páscoa no primeiro domingo após a primeira lua cheia do equinócio de março [1], mas há normalmente duas datas diferentes para esta celebração. A razão da contradição é que, após a introdução deste critério, as Igrejas do ocidente adotaram maioritariamente o calendário gregoriano, enquanto as ortodoxas mantiveram o calendário juliano para determinarem a data da lua cheia [2].
Este problema foi percebido como tal sobretudo no século XX. A questão investiu particularmente contra a Igreja ortodoxa, quando em 1923 o Parlamento grego introduziu o calendário gregoriano, dando início a um conflito entre a Igreja e o Estado [3]. Um congresso pan-ortodoxo de maio de 1923 decidiu, por isso, rever o calendário juliano adaptando-o a uma maior exatidão astronómica. Mas resultaram roturas na Igreja grega, na romena e em outras. Hoje, no mundo ortodoxo, a situação geral é que para a data da Páscoa todas as Igrejas usam o calendário juliano (com exceção da Igreja da Finlândia, que segue o gregoriano), enquanto para todas as outras festas, algumas Igrejas – em particular as de língua grega e a romena – usam o calendário gregoriano.
Com a crescente mobilidade das pessoas e a gradual interconexão entre nações e países, em razão do comércio e dos negócios que os novos meios de transporte e de comunicação tornaram possíveis, começou a advertir-se também no âmbito civil a exigência de uma regulamentação mais clara da data da Páscoa. A sua irregularidade e mobilidade anual criavam desvantagens sobretudo ao nível de compensações financeiras. Por isso, em 1923 a Sociedade das Nações avançou com a proposta de fixar, depois de acordo com as Igrejas, a Páscoa no domingo seguinte ao segundo sábado de abril. Assim a matéria foi objeto de discussão do incipiente movimento ecuménico, com o envolvimento da Comissão cristã universal Vida e Ação. Em resultado da consulta, a maior parte das Igrejas protestantes concordaram com um domingo fixo para a data da Páscoa e o Patriarcado ecuménico também se mostrou aberto a tal proposta (com a condição de que todas as Igrejas estivessem de acordo), mas Roma deu uma resposta negativa. Toda a iniciativa daquela que entretanto se tornou a ONU fracassou definitivamente em 1955 com a recusa do governo dos EUA em adotar um novo calendário.
Em 1964 a situação no interior das Igrejas mudou, na medida em que a Igreja católica, no decreto conciliar Orientalium ecclesiarum (§ 20) afirmou a sua disponibilidade para uma data comum, tanto fixa como móvel, desde que todas as Igrejas partilhassem a solução. Noutra consulta, encetada pelo Conselho ecuménico das Igrejas no seguimento desta mudança de atitude, a maioria das Igrejas ocidentais mostrou preferência por uma data fixa, enquanto para as Igrejas ortodoxas continuou a ser importante a observância da regra de Niceia.
Em 1977 a Igreja católica encetou uma iniciativa de entendimento com o Conselho ecuménico das Igrejas que conduziu a outro inquérito com um resultado idêntico ao precedente. Os ortodoxos afirmaram também claramente que uma decisão sobre semelhante questão só poderia ser tomada a nível pan-ortodoxo. Assim discutiram o assunto durante os trabalhos preparatórios do Concílio pan-ortodoxo. A segunda conferência pan-ortodoxa pré-conciliar propôs, por isso, em 1982 em Chambésy, uma mais precisa definição da data da Páscoa segundo a regra de Niceia. Mas exprimiu também o receio de que uma mudança de calendário provocasse novos cismas. Por isso, considerou-se que o momento não era apropriado para semelhante mudança.
Entre as Igrejas ortodoxas orientais havia maior abertura para a mudança: em 1971 a Igreja siro-ortodoxa propôs que se fixasse a data da Páscoa no domingo seguinte ao segundo sábado de abril e em 1984 declarou a sua própria disponibilidade para celebrar a Páscoa em qualquer domingo de abril, com a condição de que todas as Igrejas estivessem de acordo.
A questão regressou, em seguida, ao Conselho ecuménico das Igrejas. A iniciativa de maior importância foi uma consulta em 1997 em Aleppo, organizada pelo secretariado da Comissão Fé e Constituição a convite do metropolita siro-ortodoxo Gregorios Yohanna Ibrahim. A consulta propôs que se mantivesse a regra de Niceia, mas usando os dados astronómicos mais precisos (nem o calendário gregoriano nem o juliano e os seus respetivos ciclos pascais), tendo por base o meridiano geográfico de Jerusalém. A proposta foi enviada às Igrejas para que a examinassem. O resultado foi que as Igrejas do ocidente estiveram de acordo, enquanto as Igrejas ortodoxas acharam difícil aceitar a proposta, na medida em que os dados astronómicos precisos estabeleceriam um calendário demasiado próximo do gregoriano. A mudança seria, pois, tão substancial que não poderia ser aceite pelos fiéis.
Na sua IX Assembleia geral de 2006 em Porto Alegre (Brasil), o Conselho ecuménico das Igrejas reafirmou que uma data comum para a Páscoa seria parte do progresso rumo à unidade visível dos cristãos, mas não assumiu nenhuma iniciativa.
A questão só reemergiu recentemente, quando em 2014 Tawadros II, papa da Igreja copto-ortodoxa, pediu ao papa Francisco que realizasse um novo esforço para uma data unificada da Páscoa e discutiu o assunto também com o Patriarca ecuménico. Em maio de 2015, Tawadros deu mais um passo, propondo que se fixasse a Páscoa no terceiro domingo de abril. Um mês depois o papa Francisco expressou desejo de estabelecer uma data comum para a Páscoa e reafirmou a disponibilidade da Igreja católica no que respeita a uma data fixa. O papa ainda discutiu isto com o Patriarca siro-ortodoxo, que também pareceu pronto para tal solução. Mas uma declaração de um porta-voz do Patriarcado de Moscovo esclareceu logo que a Igreja ortodoxa russa não abandonaria a regra de Niceia e não aceitaria uma data fixa: convidava antes católicos e protestantes a adotarem o calendário juliano. Em janeiro de 2016, o arcebispo de Cantuária declarou que vislumbrava a possibilidade de um acordo sobre uma data fixa para a Páscoa no espaço «de cinco a dez anos».
Se se analisar o conjunto da discussão, a situação pode ser sintetizada em duas orientações: as Igrejas ocidentais e as ortodoxas orientais estão dispostas a uma data para a Páscoa fixada num determinado domingo de abril; as Igrejas ortodoxas têm intenção de manter a data móvel segundo as regras de Niceia. Isto levanta a questão de se será alguma vez possível encontrar uma data comum. Para avançar nestas reflexões, toda a questão precisa de ser vista mais em detalhe. Um ponto importante para os ortodoxos é um ulterior critério ligado às decisões do concílio de Niceia: a Páscoa não pode ser celebrada em concomitância com a judaica. Esta regra foi interpretada de vários modos e impede ulteriormente a abertura à mudança [4]. Mas o problema principal para os ortodoxos parece ser concretamente o receio de divisões no interior das Igrejas ortodoxas. E esta preocupação tem de ser levada a sério.
Concluindo, parece claro que deslocar a data da Páscoa para um dia fixo (um domingo de abril) seria uma mudança radical, porque pelo menos durante 1500 anos a Páscoa sempre foi celebrada num domingo móvel, tendo por base o equinócio e a lua cheia. Uma mudança semelhante romperia também com a tradição de indicar uma ligação com a Páscoa judaica, mantendo ao mesmo tempo uma clara distinção entre as duas. Uma data fixa num domingo específico de abril seria uma solução pragmática, em linha com a tendência atual de organizar a vida tendo por base as necessidades determinadas pela sociedade civil. Mas a discussão também tem mostrado que esta solução dificilmente poderá ser aceite por todas as Igrejas.
A meu ver, a única solução com possibilidades realistas de sucesso – mas que nunca foi tida em consideração a nível mundial – passaria por todas as Igrejas se unirem ao método ortodoxo de fixarem a data da Páscoa, usando o calendário juliano. Esta proposta não é nova: é praticada a nível local no Egito e na Jordânia, onde – seguindo uma indicação do Conselho das Igrejas do Médio Oriente de 1994 [5] – as Igrejas ocidentais decidiram seguir a maioria ortodoxa. Esta solução permite seguir a regra de Niceia que atualmente une todas as Igrejas cristãs e tem em consideração tanto a ligação entre a Páscoa e o ciclo da natureza como o seu significado simbólico vinculado à impressionante irrupção da ressurreição no habitual fluxo dos acontecimentos naturais. A desvantagem consistiria no facto de que o equinócio e a lua cheia astronómicos, e portanto reais, não seriam respeitados, mesmo se simbolicamente tidos em consideração. A partir do momento em que as Igrejas ocidentais estão dispostas inclusivamente a renunciarem à regra de Niceia, poderiam antes renunciar – por amor à unidade – à ideia de seguir a precisão astronómica.

Dagmar Heller, para a Finestra Ecumenica do Mosteiro de Bose
Teóloga luterana, docente de Teologia ecuménica no Instituto Ecuménico de Bossey (Suíça)




[1] Uma regra que a tradição interpreta como decisão do concílio de Niceia de 325, mesmo se daquele concílio não temos documentos oficiais a esse respeito.
[2] Maiores detalhes no meu artigo “The Date of Easter – A Church Dividing issue?”, in Ecumenical Review 48/1996, 392-400..
[3] Enquanto noutros países de maioria ortodoxa os cristãos estavam habituados a terem dois calendários – um para o âmbito secular e outro para a vida eclesial – na Grécia a população estava acostumada a que o calendário civil fosse idêntico ao eclesiástico.
[4] A dificuldade consiste em saber se este conceito deve ser entendido em relação à data da Páscoa no tempo de Jesus ou em relação à atual data de Pesach, determinada por modalidades ligeiramente diferentes relativamente aos tempos de Jesus.
[5] Memorandum “Uma data unificada para a Páscoa”, V Assembleia do MECC, 15-21 de novembro de 1994, Limassol, Chipre.