25/05/2020

A "Ut Unum Sint" 25 anos depois: Aprender a reconhecer e acolher os dons dos outros

Há 25 anos, a encíclica de São João Paulo II sobre o ecumenismo, "Ut Unum Sint", selou a aprovação papal a uma mudança de abordagem por parte da Igreja Católica no que se refere à busca da unidade dos cristãos.
Durante os 30 anos que decorreram do II Concílio Vaticano II à publicação da encíclica de S. João Paulo II de 25 de maio de 1995, os diálogos ecuménicos oficiais tenderam a centrar-se na comparação e contraste entre os ensinamentos ou práticas católicas e os ensinamentos ou práticas dos seus parceiros de diálogo.
A busca daquilo que os cristãos tinham em comum era um primeiro passo necessário para se reconhecerem uns aos outros como cristãos, chamados por Jesus a serem um só.
Mas na "Ut Unum Sint" (expressão latim que significa "que sejam um"), S. João Paulo disse que o diálogo é mais do que "comparar coisas", disse o bispo Brian Farrell, secretário do Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos.
O diálogo, disse S. João Paulo, é "uma troca de dons".
Na nova abordagem, que se tornou conhecida por "ecumenismo recetivo", os cristãos dizem uns aos outros: "O que eu tenho é um dom para ti e o quetu tens é um dom para mim", disse Farrell.
Reconhecer que outros cristãos têm dons e estar dispostos para os aceitar como algo que poderia ajudar a própria comunidade a crescer na fé requer conversão tanto individual como colectiva, disse o bispo.
Para os católicos, um dos dons a oferecer é o ministério do bispo de Roma - o papado.
S. João Paulo apareceu nas primeiras páginas de todo o mundo quando, na "Ut Unum Sint", convidou "os líderes da igreja e os seus teólogos a empenharem-se comigo num diálogo paciente e fraterno" sobre a forma como o bispo de Roma poderia exercer o seu ministério de unidade entre todos os cristãos.
O papado e o poder envolvido no exercício do ministério papal têm estado no centro da divisão e do debate ao longo de milénios. Foi a questão-chave de muitas das fraturas da comunidade cristã e ainda é debatida no seio da própria Igreja Católica.
Enquanto as Igrejas anglicanas, luteranas, presbiterianas e outras Igrejas protestantes publicaram respostas ao convite de S. João Paulo II, a atenção mais consistente ao papado tem vindo do diálogo oficial ortodoxo - católico-romano
Desde 2006, a Comissão Internacional Conjunta para o Diálogo Teológico entre a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa tem-se concentrado na história e no exercício do papado. E o diálogo está em curso.
Mas um ponto que S. João Paulo II destacou na "Ut Unum Sint " é que a busca da unidade dos cristãos, que necessita de reflexão teológica, não pode ficar por aí. Não se trata simplesmente de um exercício intelectual.
"As discussões teóricas têm de resolver a questão do equilíbrio entre jurisdição e comunhão", disse Farrell. "Mas, no plano prático, estamos a viver uma comunhão normal, positiva e visível" cada vez que o Papa e outros líderes cristãos se reúnem para rezar, pedir orações e promover ações que beneficiam o bem comum, o fim da violência e o cuidado da criação.
O Papa sempre foi o Papa porque é o bispo de Roma, e não vice-versa.
Mas as constantes referências do Papa Francisco a si próprio como bispo de Roma também tiveram um impacto ecuménico positivo.
"Sinto muito que alguns católicos pensem que isto é uma espécie de diminuição, um enfraquecimento da dignidade ou do poder do papado ou algo assim", disse Farrell. "Realmente não é".
Francisco está "teologicamente correto" ao referir-se a si mesmo dessa forma, disse o bispo, "e do ponto de vista ecuménico, ajuda a colocar o papado na sua perspectiva devida".
"Ousaria dizer que alguns católicos têm uma ideia de que o Papa está de alguma forma fora da Igreja, acima dela, separado, isolado, enquanto o Papa Francisco continua a lembrar-nos que o Papa é um bispo dentro da Igreja, mas com responsabilidades particulares", disse Farrell.
A visão do papado e o próprio compromisso ecuménico da Igreja Católica estão radicados na compreensão que o II Concílio Vaticano tem do que é a Igreja, disse ele.
"Mudou a perspectiva da Igreja, que deixou de ser, sobretudo, uma instituição estruturada, mantida em conjunto pelas suas leis", disse ele, "para ser a Igreja, que é uma comunhão de todos aqueles que professam a fé e vivem a vida cristã".
A visão de Francisco da "sinodalidade " decorre dessa noção de Igreja como comunhão. O termo significa "caminhar junto" com cada membro da Igreja, reconhecendo que a graça do batismo faz parte do corpo da Igreja, sendo, portanto, responsável pela sua vida e missão.
A "Ut Unum Sint" não se referiu à importância ecuménica dos sínodos, mas a "sinodalidade" tem sido uma das características das igrejas ortodoxas em particular que Francisco vê como um dom para a Igreja Católica.
E, disse Farrell, Francisco não está a olhar apenas para o funcionamento do Sínodo dos Bispos, mas para a vivência da sinodalidade, de modo que muitos aspetos da vida da Igreja em todo o mundo sejam estudados, rezados e decididos "na situação histórica, cultural e política particular dos diferentes países".
Muitos dos parceiros ecuménicos da Igreja Católica veem na atenção de Francisco à sinodalidade um sinal de esperança relativo à possibilidade de uma verdadeira "unidade na diversidade", quando os cristãos chegarem ao momento de declararem a plena comunhão uns com os outros.
No início do movimento ecuménico, muitas igrejas viram a Igreja Católica "como uma organização enorme, bem organizada, centralizada e dominante", disse Farrell. "E a maioria das outras igrejas sentiu medo de que a Igreja Católica quisesse impor-lhes a nossa maneira de fazer as coisas, e que esse fosse o tipo de ecumenismo que iríamos seguir".
"Tivemos de aprender a mostrar-lhes que não é esse o caso; não queremos que elas sejam como nós", disse ele. "Queremos respeitá-las em tudo o que elas são, e não procuramos qualquer tipo de domínio sobre elas".
A "Ut Unum Sint" é e continua a ser importante porque afirmou claramente que o fim do compromisso ecuménico da Igreja Católica "não é uma espécie de uniformidade católica", disse Farrell. Quando duas formas de pensar ou expressar a fé são complementares, "há lugar para elas. Se se tornarem contraditórias, então têm de ser superadas".
"O fim", disse ele, "é a fidelidade de todos nós a Cristo e ao Evangelho, e o respeito pelas formas em que essa fidelidade tem sido vivida ao longo dos séculos em todas as diferentes circunstâncias culturais".

Cindy Wooden
25 de maio de 2020