08/09/2020

Ações comuns para salvar o planeta

Mensagem do Patriarca de Constantinopla por ocasião do início do novo ano eclesiástico e do Dia de oração pela proteção do meio ambiente


Caríssimos irmãos hierarcas e amados filhos no Senhor, é uma convicção comum que, no tempo presente, o meio ambiente está ameaçado mais do que nunca na história da humanidade. A amplitude desta ameaça manifesta-se na constatação de que quanto está em jogo já não é a qualidade, mas a preservação da vida no nosso planeta. Pela primeira vez na história, o homem é capaz de destruir as condições de vida na Terra. As armas nucleares constituem o símbolo do titanismo prometeico do homem, a expressão tangível do “complexo de omnipotência” do “homem-deus” contemporâneo.
No uso do poder que deriva da ciência e da tecnologia, hoje revela-se a ambivalência da liberdade humana. A ciência serve a vida; contribui para o progresso, para debelar doenças e muitas condições até agora consideradas “fatais”; cria novas perspetivas positivas para o futuro. Mas, ao mesmo tempo, oferece ao homem meios extremamente poderosos, cujo uso impróprio pode ser transformado em destruidor. Experimentamos o avanço da destruição do meio ambiente, da biodiversidade, da flora e da fauna, da poluição dos recursos aquáticos e da atmosfera, o colapso progressivo do equilíbrio climático, assim como outras formas de superação de limites e medidas em muitas dimensões da vida. De modo correto e maravilhoso, o santo e grande Concílio da Igreja ortodoxa (Creta, 2016) decretou que «o conhecimento científico não mobiliza a vontade moral do homem, o qual conhece os perigos mas continua a agir como se não os conhecesse» (Encíclica, 11).
É evidente que a salvaguarda do bem comum, da integridade do meio ambiente, é responsabilidade comum de todos os habitantes da Terra. O categórico imperativo contemporâneo para a humanidade é viver sem destruir o meio ambiente. No entanto, enquanto no plano pessoal e a nível de numerosas comunidades, grupos, movimentos e organizações existe uma demonstração de grande sensibilidade e responsabilidade ecológica, as nações e os agentes económicos não são capazes — em nome das ambições geopolíticas e da “autonomia da economia” — de tomar decisões corretas para a tutela da criação e, ao contrário, cultivam a ilusão de que a presumível “destruição ecológica global” é uma invenção ideológica de movimentos ecológicos e que o meio ambiente tem o poder de se renovar. Contudo, subsiste a questão crucial: por quanto tempo a natureza suportará debates e consultas infrutíferas, bem como qualquer outro atraso na tomada de medidas decisivas para a sua proteção?
Observamos que, durante o período da pandemia do novo coronavírus Covid-19, com as restrições obrigatórias à circulação, o fechamento das fábricas e a diminuição da atividade e da produção industrial, houve uma redução da poluição e do seu peso na atmosfera, e isto demonstrou o caráter antropogénico da crise ecológica contemporânea. Tornou-se mais uma vez evidente que a indústria, os meios de transporte atuais, o automóvel e o avião, a prioridade não negociável dos indicadores económicos, e assim por diante, têm um impacto negativo sobre o equilíbrio ambiental e que uma mudança de rumo para uma economia ecológica constitui uma necessidade firme. Não existe progresso real algum, fundado na destruição do meio ambiente. É inconcebível que as decisões económicas sejam tomadas sem ter em consideração inclusive as suas consequências ecológicas. O desenvolvimento económico não pode permanecer um pesadelo para a ecologia. Estamos certos de que existe uma forma alternativa de estrutura e progresso económico, para além do economismo e da orientação da atividade económica para a maximização do lucro.
O futuro da humanidade não é o homo œconomicus. O patriarcado ecuménico, que nas últimas décadas foi pioneiro no campo da tutela da criação, dará continuidade às suas iniciativas ecológicas, à organização de conferências sobre a ecologia, à mobilização dos seus fiéis e sobretudo dos jovens, à promoção da salvaguarda do meio ambiente como tema fundamental para o diálogo inter-religioso e as iniciativas conjuntas das religiões, o colóquio com os líderes políticos e as instituições, a cooperação com organizações ambientalistas e movimentos ecológicos. É evidente que a cooperação para a proteção do meio ambiente cria novas formas de comunicação e possibilidades de ulteriores ações conjuntas.
Reiteramos que as atividades ambientais do patriarcado ecuménico representam uma extensão da sua autoconsciência eclesiológica e não constituem a simples reação circunstancial a um novo fenómeno. A própria vida da Igreja é uma ecologia aplicada. Os sacramentos da Igreja, toda a sua vida de culto, o seu ascetismo e a vida comunitária, a vida diária dos seus fiéis, exprimem e geram o mais profundo respeito pela criação. A sensibilidade ecológica da ortodoxia não foi criada mas surgi da crise ambiental contemporânea. A luta pela tutela da criação é uma dimensão fulcral da nossa fé. O respeito pelo meio ambiente constitui um ato de doxologia do nome de Deus, enquanto que a destruição da criação é uma ofensa contra o Criador, totalmente inconciliável com os princípios fundamentais da teologia cristã.
Distintos irmãos e amados filhos, os valores favoráveis à ecologia da tradição ortodoxa, precioso legado dos Padres, constituem um obstáculo contra a cultura, cujo fundamento axiológico é o domínio do homem sobre a natureza. A fé em Cristo inspira e fortalece o compromisso humano, inclusive face aos imensos desafios. Da ótica da fé, somos capazes de descobrir e avaliar não apenas as dimensões problemáticas, mas também as possibilidades e perspetivas positivas da civilização contemporânea. Pedimos aos jovens, homens e mulheres, ortodoxos que compreendam a importância de viver como cristãos fiéis e pessoas contemporâneas. A fé no destino eterno do homem reforça o nosso testemunho no mundo.
É neste espírito que, do Fanar, desejamos a todos vós um novo ano eclesiástico propício e abençoado, fecundo de gestos a exemplo de Cristo, para o bem de toda a criação e para a glória do omnisciente Criador de todas as coisas. E invocamos sobre vós, através das intercessões da Santíssima Theotokos, da Pammakaristos, a graça e a misericórdia do Deus das maravilhas.

1 de setembro de 2020

Bartolomeu

L'Osservatore RomanoEdição portuguesa (8 de setembro de 2020) 4.